Os dois são paranaenses, quarentões.
Sérgio Moro de Maringá, Alberto Youssef de Londrina. O primeiro vem de uma
família de classe média alta, filho de professor universitário, formou-se cedo
em direito, fez pós-graduação, tornou-se juiz federal, estudou no exterior. O
segundo, o Youssef não teve a mesma sorte. Filho de imigrantes libaneses
pobres, aos nove anos já vendia pastéis nas ruas de Londrina. Muito esperto,
ainda guri, pré-adolescente, já era um ativo sacoleiro. Precoce, antes de
completar 18 anos já pilotava monoplanos o que lhe possibilitou uma mudança de
escala, um considerável avanço nas suas atividades de contrabandista e doleiro.
Com menos de trinta anos tornara-se um bem sucedido “homem de negócios”, dono
de poderosa casa de câmbio, especialista em lavagem de dinheiro e remessa
ilegal de dólares para o exterior. Em meados dos anos noventa operava em grande
escala repassando recursos que “engordavam” o caixa 2 das campanhas de
políticos importantes do Paraná e de Santa Catarina, dentre eles Álvaro Dias [conhecidíssimo “moralista” de combate ao
PT – nota de Mário César (MC)], Jayme Lerner e Jorge Bornhausen.
Alberto Youssef foi, também, figura
central na transferência ilegal de bilhões de dólares oriundos de atividades
criminosas e de recursos desviados na farra das privatizações do governo FHC. [ah, se essas privatizações falassem! “estamos
chegando aos limites da responsabilidade”, lembram? - MC]
Em novembro de 2015, o jornalista Henrique
Berangê publicou na revista Carta Capital uma instigante matéria com o seguinte
parágrafo inicial: “O juiz Sérgio Moro coordena uma operação que investiga
sonegação de impostos, lavagem de dinheiro, evasão de divisas intermediadas por
doleiros paranaenses. Foram indiciados 631 suspeitos e remetidos para o
exterior 134 bilhões de dólares, cerca de 500 bilhões de reais.” Operação Lava
Jato, 2014? Não, ele se referia ao escândalo do Banestado ocorrido no final dos
anos 90. A privatização desse banco estatal comprado pelo Itaú segundo
estimativas trouxe um prejuízo de no mínimo 42 bilhões de reais [isso, em comparação com os prejuízos
causados pelo “petrolão” é fichinha - MC] aos cofres públicos do país. Mas
antes do banco ser vendido, sua agência em Nova York foi o porto seguro dos
recursos bilionários para lá transferidos pelos fraudadores.
Na segunda metade dos anos noventa através
das contas CC5 o então presidente do Banco Central Gustavo Franco escancarou as
portas para uma sangria de recursos [destaque dado por Mário
César] que daqui migraram para engordar as polpudas reservas de
empresários, políticos, grupos de mídia no exterior. Sem dúvida o maior
episódio de corrupção da história do país [esse,
sim, maior, bem maior episódio de corrupção da história do país! - MC]. Foi
aberta uma CPI no Congresso, virou pizza; o Banco Central boicotou as
investigações e a imprensa silenciou. Só a Globo enviou 1,6 bilhões de dólares,
mais de 5 bilhões de reais [... o que
dizer disso, srs. moralistas globais (de conglomerado Globo)? - MC] . Além
das grandes empreiteiras na lista dos fraudadores lá estavam também outros
grupos da mídia: a editora Abril, o Correio Brasiliense, a TVA, o SBT, dentre
outros. A justiça foi convenientemente lenta, os crimes prescreveram, só foram
punidos alguns integrantes da “arraia miúda”. Ironias da história: a corporação
Globo, futura “madrinha” de Moro cometeu os mesmos ilícitos que mais tarde
seriam por ele denunciados na operação Lava Jato [cômico, se não trágico! - MC]. Desta vez, porém, as diligências
policiais e ações judiciais não foram arquivadas e Moro pôde posar de “campeão
na luta contra a corrupção, herói nacional.”
O silêncio da mídia repetiu-se em 2015
quando a operação Zelotes denunciou que membros do Conselho de Administração de
Recursos Fiscais, o CARF, estavam recebendo propinas para livrar grandes
empresas de multas aplicadas por prática de sonegação de impostos. Bilhões de
reais de dívidas da Gerdau, da RBS, do Banco Safra, do Banco de Boston, da
Ford, do Bradesco, dentre outras empresas e grandes grupos da mídia. As
apurações preliminares estimaram que mais de 20 bilhões de dólares foram
desviados dos cofres públicos, sendo este montante apenas a “ponta do iceberg” [e somente ficou-se nas “preliminares”! - MC].
Certamente a continuidade das investigações chegaria a valores muito maiores.
Começou lá nos primeiros anos da década
passada, o idílio Moro-Youssef, em 2003 para ser mais preciso. Apesar do
protagonismo central do doleiro na prática de ilícitos, ele foi beneficiado
pela delação premiada, ficando livre, leve e solto. Prosseguiu, é claro, na sua
longa e bem sucedida carreira de crimes bilionários. Observe-se que na delação
premiada a redução da pena ou o perdão é concedido ao réu sob expressa condição
de promessa de ilibada conduta futura.
É claro que a biografia de Youssef não
poderia alimentar nenhuma esperança de regeneração, de que ele abandonasse as
práticas ilícitas.
Onze anos depois, [vejam bem esse detalhe cronológico! O “doleiro” celebrizou-se na
prática da “delação premiada - MC] em março de 2014, na fase inicial da
operação Lava Jato, Youssef foi novamente preso por Moro. Foi constatado que
ele era o principal operador das propinas que alimentaram o caixa das campanhas
de inúmeros políticos especialmente do PP e do PT no chamado Mensalão 2,
ocorrido em 2005. O primeiro, o Mensalão 1, o da compra dos votos para a
reeleição de FHC não teve consequências porque Geraldo Brindeiro, o Procurador
Geral da República, [mais conhecido como
engavetador geral da república – MC] das 626 denúncias criminais dos seus
oito anos no cargo (de 1995 a 2003), arquivou mais de 90% delas, encaminhando
para indiciamento pelo Judiciário apenas 60, justamente as de importância menor
e que envolviam personagens secundários. Brindeiro ficou por isso nacionalmente
conhecido como o “engavetador-geral da República“. A grossa corrupção que
marcou os dois períodos do governo Fernando Henrique foi varrida para de baixo
do tapete: o Ministério Público Federal e o Poder Judiciário taparam o nariz e
fecharam os olhos.
A delação premiada de Youssef realizada em
2014 e 2015 foi justificada por Moro pela importância que teve para a obtenção
de provas que culminaram em dezenas de indiciamentos e prisões de importantes
figuras, possibilitando a comprovação de desvios bilionários. Fala-se que a
Lava Jato apurou pagamentos de propinas de valores acima dos 10 bilhões de
reais, valor expressivo mas que, pasmem, representa apenas 1,7% dos valores
desviados dos cofres públicos nos episódios do Banestado e da operação Zelotes.
[imaginem que a soma do Banestado e da
Zelotes representa a fabulosa quantia de cerca de 600 bilhões de reais! - MC]
Segundo o noticiado, Youssef foi indiciado
em nove inquéritos. Algumas ações com sentenças já transitadas em julgado
resultaram em condenações que totalizaram 43 anos de prisão em regime fechado.
Há ainda outras ações que, na hipótese de ocorrer a condenação, poderiam
resultar em 121 anos e 11 meses de prisão [Atente-se
bem: mais de 100 anos de cadeia! - MC]. Sérgio Moro anunciou este mês que pela
contribuição que a delação de Youssef trouxe para a operação Lava Jato, sua
pena foi fixada em três anos, dois quais dois anos e oito meses [de 100 para 3 anos!] já cumpridos. A partir de
novembro ele deixará o regime fechado e vai passar os meses restantes em prisão
domiciliar. [que beleza!!! – MC]
A legislação penal tipifica o ilícito e
determina a pena de acordo com sua gravidade. Cabe ao juiz na sentença aplicar
a sanção que a lei determina. O que pode ser questionado na delação premiada é
que não existe na lei a dosimetria que imponha ao magistrado um limite para a
redução da pena. O caso de Youssef é um exemplo típico: Sérgio Moro, se
considerarmos as graves ilicitudes, os valores envolvidos e as inúmeras
reincidências do doleiro foi extremamente indulgente, generoso. [bote-se prá lá de indulgente, de
generoso!] Alberto Youssef estaria certamente fadado a morrer na prisão
cumprindo as penas a que foi condenado. Em novembro, no entanto, já estará em
casa e em março do ano que vem solto. Muito provavelmente preparado e disposto
a cometer novos crimes.