Viajando num ônibus em Salvador, passei a
escutar uma conversa entre dois homens (pessoas simples; funcionários públicos,
parecem, dado o rancor com que se queixavam do não pagamento da URV pelo
governo). Acompanhei com interesse o diálogo, quase monólogo, dado a
predominância verbal de um sobre o outro e, a certa altura, saíram do plano
estadual para o federal. “Como pode dar um reajuste de 5 [virgula alguma coisa]%
e aumentar a conta de luz em 15%”, disse o mais falador. E vão por ai, até
quando o mesmo mais falante diz: “tá vendo o Lula. O Lula é um ditador!” fez o
que quis quando governou e ainda bota quem ele quer para lhe substituir (mais
ou menos nestes termos). Mas não é mais ou menos esta mensagem que a grande
imprensa, como porta-voz e representante aplicada da oposição passa
sistematicamente? Que sua opinião “publicada” se torne opinião
pública?
Agora conheçamos o que comenta Jânio de
Freitas, na Folha de São Paulo, órgão da imprensa insuspeito.
ter, 29/04/2014 - 08:15
Da Folha
Se,
apesar da situação econômica melhor, o sentimento é pior, claro que se trata de
algo induzido
Janio
de Freitas
Com
intervalo de quatro dias, dois dos jornalistas que mais respeito pela
integridade e aprecio pela qualidade, Vinicius Torres Freire e Ricardo Melo,
levam-me a ser mais uma vez desagradável com o meu meio.
Na
Folha de ontem, Ricardo Melo relembra a presença de "representantes do
mercado'" no Conselho de Administração da Petrobras, quando comprada a
refinaria de Pasadena, e pergunta: "Pois bem: onde foram parar nessa
história toda Fábio Barbosa, Cláudio Haddad, Jorge Gerdau, expoentes do
empresariado' brasileiro que, com Dilma Rousseff e outros, aprovaram o negócio?
Serão convocados a depor, ou deixa pra lá?".
A
pergunta não expõe apenas Aécio Neves, Eduardo Campos, Aloysio Nunes Ferreira e
seus subsidiários, que se limitam a explorar, na "história toda" de
Pasadena, o que lhes pode dar proveito eleitoral. Os empresários citados não
serão "deixados pra lá". Já foram deixados. Pela imprensa. Nas
práticas simultâneas de repetir, dia a dia, no noticiário e em artigos, a
aprovação do negócio pelo "conselho presidido por Dilma Rousseff" e
jamais mencionar os outros conselheiros.
Se
o negócio foi aprovado pelo conselho, nos termos e condições expostos aos
conselheiros, é óbvio que não houve um votante só. Mas os outros não
interessam. Nem é apenas por serem empresários que mais conselheiros também
estão dispensados de menção na imprensa. É, só pode ser, porque a exclusividade
adotada vem do mesmo objetivo de Aécio Neves, Eduardo Campos e outros. Se a
imprensa o faz, ou não, para beneficiar esse ou aquele, pouco importa. Mais
significativa é a predominância da prática política.
Também
na Folha, dia 24 último, Vinicius Torres Freire observa: "O Datafolha
registra um nível de insegurança econômica inédito desde os piores dias de FHC,
embora a situação econômica e social seja muito melhor agora".
Algo
provoca tal contradição. Não pode ser a percepção espontânea e geral, porque a
situação "muito melhor" não lhe daria espaço. O que poderia ser,
senão os meios de comunicação desejosos de determinado efeito? Se, apesar da
situação melhor, o sentimento é pior, claro que se trata de sentimento
induzido. Um contrabando ideológico.
Terminaram
depressa as rememorações do golpe de 64. O corporativismo apagou a memória da
função exercida pela imprensa no preparo do golpe e no apoio à apropriação do
poder, de todos os poderes, pelos militares. Não há, nem de longe, semelhança
entre aquela imprensa e a atual. Mas o seu estrato mais profundo, econômico,
social e político, mudou menos do que a democracia pede. E conduz às recaídas
cíclicas dos meios de comunicação em práticas próprias de partidos e movimentos
políticos. Estamos entrando em mais uma dessas fases