quinta-feira, 27 de janeiro de 2011

JOÃO GILBERTO

Do Blog de Luis Nassif, tomo conhecimento de uma notícia que, se verdadeira e acredito, por causa da fonte, deixou-me estarrecido. É a situação de extrema miséria que está vivendo o compositor e cantor João Gilberto. Deixo os comentários para a própria notícia e fico na expectativa pelo desenrolar dos acontecimentos.

Enviado por luisnassif, qui, 27/01/2011 - 19:47
Ele é o símbolo maior do movimento musical que projetou no mundo a imagem de um país jovem, moderno, vibrante e criativo. É patrimônio nacional. Conseguiu internacionalizar de maneira nunca antes vista a música brasileira, sem nunca perder as raízes, a paixão por tudo o que significasse Brasil.
No momento atual, em que ventos fascistas cobriram de preconceito o povo, manifestações populares, tudo o que cheirasse Brasil, em nome de um falso internacionalismo, ele continua sendo a referência maior, o criador que definiu a síntese brasileira, colocou no mesmo pote Geraldo Pereira, Caymmi, Ary, Tom, Menescal e Lyra, o jazz e os conjuntos vocais brasileiros.
Não haverá exagero em considerá-lo como um dos formadores do Brasil moderno.
Pois João Gilberto, o instável João, o doce e intratável, o frágil, passa pelos momentos mais difíceis de sua vida. Perto dos 80 anos, com filha nova, de um casamento novo, está sendo despejado do seu apartamento. Não tem muitas condições mais para shows, os direitos autorais estão escasseando e ele parece cada vez mais introspectivo, mais fechado, mais triste.
No seu perfil no Facebook, lança apelos mudos, frases de auto-ajuda e Brasil, Brasil e Brasil. Dia desses postou um vídeo ilustrado com imagens de filmes de Mário Peixoto. Houve quem interpretasse como um SOS mudo para Waltinho Salles, que resgatou Peixoto e sua obra.
Sabe-se lá se foi ou não, mas muitos imaginaram que o Instituto Moreira Salles poderia "tombar" João.
Não é pouca coisa. Nas próximas semanas o Rio estará inundado de turistas do mundo inteiro, muitos atraídos pela bossa nova, pelo doce lirismo de João. O país que está se consolidando exige a convivência do moderno com a história, do internacional com o Brasil profundo.
João representa tudo isso, a síntese que coroou os tempos de JK, o símbolo a ser redescoberto para esses novos tempos em que a auto-estima voltou e não pode ser convertida em xenofobia ou intolerância.
Tenho a impressão que o IMS, que nasceu do mais internacional dos brasileiros, do mais brasileiro dos internacionais, se interessará em ouvir os apelos mudos de João Gilberto. Se não ele, empresas, ONGs, associações, governantes comprometidos com a construção de um Brasil moderno e eterno, tal qual as canções de João Gilberto.

sábado, 22 de janeiro de 2011

DIAS ESCUROS

Do Blog de Luis Nassif, que recomendo a leitura periódica, tiro a postagem abaixo. Trata-se da reprodução de uma crônica do saudoso poeta Carlos Drummond de Andrade, publicada num jornal carioca, (sem poesia alguma!), há 45 anos atrás, com o título de “Dias escuros”, na qual destila toda sua indignação com a situação trágica a que são, eternamente, submetidos  os pobres miseráveis, por falta de saneamento, coleta de lixo, saúde... infinitas carências, “tão miserável em sua [da cidade] infra-estrutura de submoradia, de subalimentação e de condições primitivas de trabalho” em contraste total com o outro lado tão próximo da “cidade, tão rica de galas e bens supérfluos”. Uma crônica de mais de quatro décadas e meia, que, não obstante a notoriedade do autor, se revela fortemente atual e, por isto, frustada.    


Enviado por luisnassif, sex, 21/01/2011 - 18:00
Por Juliano Vieira
Correio da Manhã, 14/01/1966 - Carlos Drummond de Andrade
"Os dias escuros"
Amanheceu um dia sem luz – mais um – e há um grande silêncio na rua. Chego à janela e não vejo as figuras habituais dos primeiros trabalhadores. A cidade, ensopada de chuva, parece que desistiu de viver. Só a chuva mantém constante seu movimento entre monótono e nervoso. É hora de escrever, e não sinto a menor vontade de fazê-lo. Não que falte assunto. O assunto aí está, molhando, ensopando os morros, as casas, as pistas, as pessoas, a alma de todos nós. Barracos que se desmancham como armações de baralho e, por baixo de seus restos, mortos, mortos, mortos. Sobreviventes mariscando na lama, à pesquisa de mortos e de pobres objetos amassados. Depósito de gente no chão das escolas, e toda essa gente precisando de colchão, roupa de corpo, comida, medicamento. O calhau solto que fez parar a adutora. Ruas que deixam de ser ruas, porque não dão mais passagem. Carros submersos, aviões e ônibus interestaduais paralisados, corrida a mercearias e supermercados como em dia de revolução. O desabamento que acaba de acontecer e os desabamentos programados para daqui a poucos instantes.
Este, o Rio que tenho diante dos olhos, e, se não saio à rua, nem por isso a imagem é menos ostensiva, pois a televisão traz para dentro de casa a variada pungência de seus horrores.
Sim, é admirável o esforço de todo mundo para enfrentar a calamidade e socorrer as vítimas, esforço que chega a ser perturbador pelo excesso de devotamento desprovido de técnica. Mas se não fosse essa mobilização espontânea do povo, determinada pelo sentimento humano, à revelia do governo incitando-o à ação, que seria desta cidade, tão rica de galas e bens supérfluos, e tão miserável em sua infra-estrutura de submoradia, de subalimentação e de condições primitivas de trabalho? Mobilização que de certo modo supre o eterno despreparo, a clássica desarrumação das agências oficiais, fazendo surgir de improviso, entre a dor, o espanto e a surpresa, uma corrente de afeto solidário, participante, que procura abarcar todos os flagelados.
Chuva e remorso juntam-se nestas horas de pesadelo, a chuva matando e destruindo por um lado, e, por outro, denunciando velhos erros sociais e omissões urbanísticas; e remorso, por que escondê-lo? Pois deve existir um sentimento geral de culpa diante de cidade tão desprotegida de armadura assistencial, tão vazia de meios de defesa da existência humana, que temos o dever de implantar e entretanto não implantamos, enquanto a chuva cai e o bueiro entope e o rio enche e o barraco desaba e a morte se instala, abatendo-se de preferência sobre a mão de obra que dorme nos morros sob a ameaça contínua da natureza; a mão de obra de hoje, esses trabalhadores entregues a si mesmos, e suas crianças que nem tiveram tempo de crescer para cumprimento de um destino anônimo.
No dia escuro, de más notícias esvoaçando, com a esperança de milhões de seres posta num raio de sol que teima em não romper, não há alegria para a crônica, nem lhe resta outro sentido senão o triste registro da fragilidade imensa da rica, poderosa e martirizada cidade do Rio de Janeiro.

quinta-feira, 6 de janeiro de 2011

UMA HISTÓRIA QUE VALE REGISTRO

Vou transcrever, a seguir, a história de Benedicto Fonseca Filho, PRIMEIRO DIPLOMATA NEGRO DO BRASIL. É realmente notável essa sua hisitória e que sirva de, não só, motivo de orgulho da afro-descendência, como também incentivo para que outros negros desenvolvam-se como o nosso diplomata.

Enviado por luisnassif, qui, 06/01/2011 - 09:35
Da Folha
Meu pai foi agente de portaria, um contínuo (...) O preconceito nunca se apresenta claramente. No campo das relações humanas, você nota reação positiva ou negativa (...) É preciso que haja ações afirmativas (...) Eu não me beneficiei de nenhuma política. Na minha época, isso não havia.
Filho de um contínuo, Benedicto Fonseca Filho, 47, foi promovido em dezembro a embaixador, o primeiro negro de carreira. E o mais jovem. Passou por Buenos Aires, Tel Aviv e Nova York. Vai chefiar o departamento de Ciência e Tecnologia. Ele declara orgulho de ser negro e filho de pais humildes que o educaram para chegar ao topo na casa mais aristocrática do país.
(...) Depoimento a
JULIANA ROCHA
DE BRASÍLIA
Nasci no Rio, em 1963. Mudei para Brasília em 1970 porque meu pai veio ser funcionário do Itamaraty. Ele foi agente de portaria, que é um contínuo.

Quando eu tinha nove anos, toda a família foi para a [antiga] Tchecoslováquia [no leste europeu], quando meu pai foi removido para Praga por três anos.

Naquele tempo, todos os funcionários das embaixadas eram de carreira. Hoje, esses são terceirizados.

Foi essa experiência internacional que me despertou o interesse pelo Itamaraty. Talvez por ter estudado em escolas internacionais, na escola francesa e na americana.

Meu pai e minha mãe, na sua humildade, nunca pouparam esforços para nos proporcionar as melhores condições de estudo.

Hoje, meu pai tem 84 anos, já é aposentado há 14. Minha maior satisfação foi eu ser promovido com ele ainda vivo. Ele ficou tão ou mais contente do que eu.

Fiz o concurso [do Itamaraty] em 1985 e entrei de primeira, aos 22 anos. Quando saiu a lista dos aprovados, um jornal de Brasília fez uma matéria que dizia: "Mulher e negro passam em primeiro lugar no Rio Branco". A mulher foi o primeiro lugar e eu, o segundo.

Vinte e cinco anos depois, uma mulher passar em primeiro lugar já não causa tanto espanto. Naquela época, tinha só uma mulher embaixadora.

Hoje, são várias mulheres embaixadoras, acho que 20, ocupando postos importantes. Talvez chame muito mais atenção quando um negro ascende na carreira do que uma mulher.

Em relação à diversidade racial já avançamos muito, mas ainda temos muito que avançar. Houve um olhar para essa questão na gestão do ministro Celso Amorim.
PRECONCEITO
O preconceito nunca se apresenta claramente. No campo das relações humanas, você nota reação positiva ou negativa das pessoas.

Mas seria leviano dizer que eu experimentei uma situação que pudesse identificar como preconceito [no Itamaraty]. Nunca houve.

Me lembro de um caso [de reação positiva]. A primeira vez que fui à ONU em 2004, um colega do Caribe me chamou no canto para dizer que pela primeira vez via um diplomata negro na delegação brasileira.
Ele enfatizou: "It's the first time ever, ever. We are proud" [É a primeira vez. Estamos orgulhosos].

Eu faço um paralelo com os EUA, que tiveram um sistema de cotas importante para criar uma classe média negra que se autossustenta, que agora pode seguir em frente sem a necessidade de políticas diferenciadas.

No Brasil, as cotas das universidades vão produzir uma diversidade salutar.
COTAS NO ITAMARATY
É preciso haver políticas de ação afirmativa. No ministério, damos bolsas para proporcionar condições financeiras adequadas para que os afrodescendentes se preparem, o que tem tido um resultado muito positivo.

O objetivo é dar condições para pessoas que têm talento. Algumas vezes é visto como se estivessem recebendo um privilégio. Temos o cuidado de preservar as condições de preparação.

Eu não me beneficiei de nenhuma política. Na época, não havia. Mas olhando retrospectivamente, creio que me beneficiei de certas circunstâncias.

Tive oportunidades que raramente os negros têm. Morei no exterior, estudei idiomas com a ajuda do Itamaraty, porque ajudavam nos estudos dos filhos dos funcionários.

Os críticos das cotas têm uma contribuição que não é irrelevante. Eles dizem que, cientificamente, não há raças, não há diferenças entre brancos e negros.

É uma desmistificação para quem acha que há diferenças intrínsecas. Mas há uma falha no argumento. Do ponto de vista humano e das relações sociais, existem diferenças.

Basta ver os índices sociais, condições de saúde e de moradia para ver que existe um problema. Isso não é tratado de maneira séria e aprofundada [pelos críticos].

Nosso país tem muitos passivos. A preocupação social e racial tem que andar lado a lado. Ou deixamos as coisas acontecerem, ou tentamos uma intervenção. O assunto não pode ser jogado para debaixo do tapete.
ÁFRICA
Nos últimos anos, houve uma preocupação de diversificar as relações externas, ter um olhar novo não só em relação à África. Resgatar elementos de nossa identidade, cultura e sociedade.

Mas também avançamos na área comercial, levando em conta nosso interesse econômico. Tenho orgulho de ser negro. Faz parte da minha identidade. E de ser brasileiro. Mais do que isso, tenho orgulho de ser filho dos meus pais.