Achei interessante a publicação dos diários de bordo de um inglês no Blog
de Luis Nassif, por esta razão republico-os aqui. Sem querer emitir uma crítica
maior ao texto, não deixo, porém, de observar que a ótica vista pelo almirante
é aquela mesma do dominante (não importa sua nacionalidade) sobre o dominado: o
pobre(?!) do imperador do Brazil
ridicularizado e assim é por toda a História, (afinal a história sempre é
contada pelos “vencedores”) e um libelo irrefutável contra supostas intenções
humanitárias da Inglaterra, (o oficial inglês, sem sombras dúvidas, emitiu
opiniões de acordo com a ideologia política inglesa), com a decretação do
combate ao tráfico de escravos e a revelação inquestionável das suas intenções,
intenções de cunho, tão somente, mercantilista. Conheçamos, pois, um resumo de “Os
diários de bordo de um almirante inglês”, pois, de qualquer forma trata-se de
um documento histórico, que nos oferece um retrato das décadas 20 e 30 do
século XIX.
Autor:
A história vista pelos diários de bordo.
Relendo
os Diários de Bordo do Capitão e depois Almirante Graham Eden Hamond* escritos
nos longínquos anos de 1825 e 1838, revi umas passagens interessantes em que o
oficial inglês escreve sobre o Brasil e seu povo. Na primeira parte do diário
(1825), Hamond ainda era capitão e foi responsável por trazer a comitiva
encarregada do reconhecimento da independência do Brasil. A maior parte do
diário se refere aos encontros protocolares e alguns aspectos técnicos de
navegação, mas como era do seu estilo fazer comentários sarcásticos sobre
pessoas e costumes, não resisti e anotei alguns deles, muitos não são
politicamente corretos para um oficial estrangeiro em viagem de representação,
mas que representavam a visão eurocêntrica e elitista de uma potência imperial
européia.
Era
agosto de 1825 e ele avista uma carruagem puxada por quatro cavalos que era
dirigida por nada menos que o nosso jovem e fogoso imperador, informalmente
vestido, que dá a volta e retorna para cumprimentar os ingleses, mesmo sem
falar uma palavra na língua de Shakespeare. Estávamos construindo a nossa
informalidade, nosso jeito de quebrar regras e padrões formais de comportamento.
Dias depois Hamond comenta em seu diário que vê a imperatriz Leopoldina montada
em um cavalo como um homem (na época as mulheres da elite montavam de lado nas
selas dos cavalos) e ela também estava acompanhada por um negro branco e um
padre preto. O que ele quis dizer com negro branco? Provavelmente um escravo
mestiço, com a pele branca. O padre preto também era algo surpreendente para a
época, pois era raro um negro ter acesso a um seminário.
Naquele
tempo os franceses estavam em alta no Brasil depois de um acordo em que 600
jovens brasileiros foram convidados a estudar na França com as despesas pagas.
Enquanto no Rio de Janeiro habitavam mais de 3000 franceses, apenas 600
ingleses eram moradores na cidade, apesar da grande influência econômica dos britânicos
no país. A Rua do Ouvidor, que existe até hoje, era praticamente uma rua de
franceses, com muitos modistas. Era o prenúncio da invasão dos “Pierre Cardin,
Yves Saint Laurent, Louis Vuitton” etc. Essa preferência pelos franceses
surpreendeu o inglês, pois em suas visitas a Portugal, observara que a
influência inglesa era notória entre os lusitanos.
E
o palácio do imperador? O nosso almirante o descreve como um edifício feio,
amarelo e na época estavam a fazer nele alguns puxadinhos, pois era pequeno
demais para abrigar a corte. E a cidade maravilhosa? Hamond narra um dia de
chuva, em pleno 1825 e diz, maldosamente, que é a cidade mais imunda que já viu
em sua vida e até os escravos estavam cobertos de lama. Em dias de chuva parece
que o Rio gosta ainda de reviver os velhos tempos. Mais adiante ele comenta que
não pode achar a cidade saudável por causa dos abomináveis pântanos que tem em
redor. No mesmo dia, o oficial britânico manifesta dúvidas se Portugal vai
mesmo reconhecer a independência do país de forma tranqüila ou vai manter uma
soberania nominal sobre a antiga colônia. Estava errado, apesar de que o Brasil
foi obrigado a pagar uma pesada indenização ao império português, que apesar
dos trezentos anos de exploração das riquezas da terra ainda exigiu os “lucros
cessantes”.
No
dia 15 de dezembro de 1834 havia chegado ao porto um brigue com 500 escravos a
bordo que fora detido por um capitão inglês. Havia nele 521 escravos, mas 21
morreram pelas péssimas condições a bordo. Hamond prevê a morte de 1 a 2
escravos por dia. Dias depois ele comenta que 200 dos melhores escravos foram
roubados durante a noite. Com este episódio ele manifesta descrença de que o
governo queria realmente abolir o tráfico, pois o tratado era bastante
antipático para os brasileiros. O pior é que um juiz brasileiro acusava os
ingleses pelo roubo dos escravos. Hamond qualifica os ministros brasileiros
como salafrários. Posteriormente ele relata que o Ministro das Relações
Exteriores, um tal de Aureliano foi acusado como responsável pelo roubo dos
escravos.
Ele
relata em 10 de fevereiro que houve, na Bahia, um levante de escravos que
resultou na morte de 60 deles durante a violenta repressão do governo local.
Vê-se pelo relato que a situação não era muito pacífica no império com relação
à ordem escravocrata.
Outro
fato interessante relatado pelo oficial inglês é o seu encontro com o
imperador, em que ele descreve que “É um menino de 10 anos com uma aparência
agradável. Estava vestido de uniforme azul e ouro, calças brancas e amarrado a
uma espada enorme”. Neste episódio, relativo à comemoração do aniversário da
constituição, estavam presentes vários oficiais e ao descrever um deles, o
britânico assim se expressa: “Um mulato oficial do exército, tinha o aspecto de
um imenso babuíno e, realmente, só lhe faltava o rabo”. Observa-se pela
descrição que dependendo da posição social e econômica, não havia dificuldade
de acesso dos mestiços aos altos escalões militares e nem mesmo na corte. O que
é bastante desagradável é a forma racista com que o inglês se referia as
pessoas de origem africana.
Outro
fato curioso são os comentários que faz sobre as mulheres, principalmente com
relação aos dentes. Numa ocasião descreve uma mulher brasileira pertencente à
elite que não tinha um único dente na boca. Num baile Hamond comenta sobre a
dança na moda no Rio de Janeiro, a quadrilha e elogia os músicos, na maioria
mulatos.
No
dia 24 de junho, dia de São João, relata que houve uma grande festa, mostrando
que a comemoração, que hoje tem importância maior no nordeste do que nas outras
regiões do país, era uma festa bastante concorrida na capital do império.
Em
31 de julho o seu navio está atracado em Recife, onde ele observa que os
escravos negros de lá são bastante diferentes dos existentes no Rio de Janeiro,
notando que são provavelmente originários de apenas uma região da África. Como
de costume, ele faz observações racistas ao dizer que alguns teriam belas faces
se não fossem negros.
Sua
pena crítica não perdoava o governo brasileiro da época ao mencionar que os
recursos seriam prodigiosos se as receitas fossem aplicadas corretamente. “Mas
o peculato, nos vários departamentos, vai além de qualquer observação possível”
(pg.89). Infelizmente isso mostra que nossa vocação para o patrimonialismo tem
raízes antigas. Numa outra passagem, comenta sobre a captura de mais um navio
negreiro, que apesar da proibição, o tráfico continua no país. Com desalento
ele revela que de pouco adiantara a captura, pois em pouco tempo os escravos
estariam trabalhando nas fazendas apesar de estarem sob a custódia do governo.
A
propalada fama de que as mulheres brasileiras são muito bonitas não encontrava
em Hamond uma opinião muito favorável, pois escreve em seu diário que havia
poucas mulheres realmente bonitas no Brasil. Cita ainda a opinião de um
francês, que havia estado em vários lugares no mundo, que dizia que nunca havia
visto, numa reunião, tão grande número de mulheres feias como no Rio de
Janeiro.
Os
diários do Almirante, apesar dos seus comentários preconceituosos e reveladores
de um distanciamento muito grande da realidade brasileira por parte de um
oficial elitista e preconceituoso, são interessantes para se captar nuances do
cotidiano do Brasil há quase duzentos anos. Um país recentemente independente
que manteve intactas as estruturas coloniais após se libertar do jugo da
metrópole portuguesa
HAMOND, G. E. “Os diários do Almirante Grahan Eden
Hamond 1825 -1838”. Tradução de Geyer, Paulo Fontainha, Rio de Janeiro: Editora
JB, 1984