Publicações

 
DECORRIDOS SESSENTA ANOS
 
APRESENTAÇÃO
Quando se atinge a marca dos sessenta anos, quer-se preparar para a “mudança de andar”. Deixar documentado tudo que se diga respeito aos interesses de caráter material e legal, a fim de evitar contratempos para os possíveis herdeiros.
Quer-se reunir, também, tudo que se diga respeito à sua existência, seja no plano material, espiritual, concreto, abstrato, e, até, expor, tornar publico, especialmente, aquilo que faz parte de toda sua produção intelectual, guardado a sete chaves, até então, por aquele natural senso de preservação de sua privacidade; daquele receio de fazer ridículo e que, com o passar do tempo, se dissipa.
Quero, portanto, com esta publicação condensar o que escrevi, sem pretensões de Escritor (sim com e maiúsculo), durante o transcorrer desta fantástica viagem que se prolonga por setecentos e vinte meses, iniciada no século passado, sob a atmosfera da hecatombe que se abateu sobre a humanidade provocada pela segunda guerra mundial, atingindo o século presente. Esclarecendo que propositadamente os textos não obedecem a uma seqüência cronológica e que há escritos feitos com até mais de trinta anos. Ressaltando que  os textos expressam “achares” e “sentires” de um imaginário tanto fictício como real; pensares onde a realidade se confunde com o irreal, com o sobrenatural; o palpável com o inatingível.
A nave que realiza a viagem encontrou e encontra, ainda, inúmeros e difíceis obstáculos; alternou freadas, acelerações, retrocessos, tropeços, correções de rumos, “céu de brigadeiro”, tempestades, tufões, maremotos. Tudo movido por: (1) uma força superior que a chamo de Leis da Natureza: a junção de forças imateriais, inexplicáveis, indescritíveis com forças materiais, formadas pelos seus criadores biológicos; (2) seus fomentadores: familiares, parentes outros (uma homenagem especial, num registro de eterna gratidão, a Celina dos Anjos Dantas. Sem ela, sem sua divina intervenção, acho, a nave poderia tomar outro rumo, não se sabe com que conseqüências. Espero que não seja póstumo este preito de agradecimento); (3) seus descendentes, que, anseio, serão e, já estão sendo‚ novas naves a trilhar o caminho a seguir com dignidade, justiça, honestidade; por fim, (4) amigos em geral.

PREFÁCIO

Analisar, interpretar, discutir, criticar e, finalmente, tecer considerações acerca de excertos literários são procedimentos rotineiros, verdadeiramente corriqueiros, para aqueles que tiveram a magnânima oportunidade de iniciar-se, desde a mais tenra idade, nos caminhos, entre os trilhos, nas nuvens, por sobre e sob as letras de todo e qualquer livro, crônica, verso ou escrito.
Todavia, a minha tarefa, nestas linhas, não é, de modo algum, fácil, muito menos rotineira. Explica-se:
Fui escolhido (e posso orgulhar-me disso) para prenunciar letras, palavras, textos e períodos daquele que, sagazmente, foi o responsável por me conduzir ao mundo da literatura, responsável por me fazer acreditar que, sem a leitura, o conhecimento não emerge.
E a responsabilidade por tal desígnio aumenta ao passo em que, inegavelmente, tenho convicção de que parte do todo que segue nesta obra escrito, tive a oportunidade de ver, tocar, respirar, sentir.
Sim, pois ela transpira, de forma vívida, meu pai.
Sem sombra de dúvidas, quem quer que tenha acesso a tais escritos perceberá, por trás de suas palavras, as qualidades e características do mais perfeito ser humano que já tive a oportunidade de conhecer. O homem que, com todos os seus defeitos, é capaz de, em apenas um só, ser honesto e moleque, abstrato e concretista, agradecido e dispersivo, equilibrado e festeiro, cético e politizado, amante e amado.
Enfim... (como ele mesmo se define) um pássaro fogoso que mora numa gaiola cujas portas se acham permanentemente abertas; um homem embaraçado em sua própria, preferida e saborosa dialética.
Antes mesmo do que uma síntese, e, muito menos, uma crítica, este prefácio se consubstancia num verdadeiro convite ao imaginário, ao ideário, ao universo cósmico-imaginativo Mário César Barbosa Dantas.
Entretenham-se.

(assina: Mário César Magalhães Dantas)


Um filho, uma árvore, um livro. Quando traçaram esses pontos como necessários para a conquista da plenitude de um homem, não deveriam estar pensando em alguém como você. É, de fato, incrível como você gerou três filhos e, mesmo em épocas tão difíceis, conseguiu ensina-los a serem justos, honestos, solidários e felizes. Conseguiu, também, plantar, não só uma, mas várias árvores que nos felicitam por seus frutos ou pela beleza das suas flores. Quando pensávamos que não faltava mais nada, você nos presenteia com mais esse feito.
Os textos podem ser novidades, mas a essência do que ali está  é muito antiga.
Em “Hoje” encontramos a sua dedicação e seu empenho pelo trabalho, o que colaborou para o desenvolvimento dos Correios.  No capítulo das Homenagens, apenas foram colocados no papel tudo que já sabíamos sobre a importância, a atenção, o respeito  e o amor pelos amigos  e por sua Mãe.
“Depois de tanto viver/ Desejo não ter morrido./ Nasci vivendo, morrendo, / Mas não quero morrer...”.  Esses versos traduzem a sua vontade de viver e, mais do que nunca,  está explicado “de onde vêm” os  meus devaneios sobre vida e morte. A sua “paixão” pela liberdade, o conhecimento político e cultural conquistados através de muito esforço, até suas fraquezas, tudo está representado nesse livro.
Mais uma vez você acertou, mais uma vez você nos mostrou que podemos fazer bem feito tudo o que nos predispomos, ou até mesmo, o que nos é imposto, e  com dedicação, perseverança, criatividade e amor pela vida podemos realizar nossos sonhos apesar dos obstáculos do caminho.

(Assina: Fernanda Magalhães Dantas)


A pena de Mário César Barbosa Dantas escreve em entrelinhas tão sutilmente quanto ingenuamente escancara sua verdade; exprime-se certo por tortas abóbadas caligráficas; cartea-se com o mundo ao passo em que fala consigo próprio; segue altos biográficos e revela baixas bioquímicas.

Expressa, em suma, também na forma, sua abertamente confessa paixão pelo contraste, sua flâmula oscilante, incessante busca, do que conquistou e também do que sempre teve.

Em muitos momentos, de conotações filosóficas, políticas ou sentimentais, do grande mosaico que é o seu livro, deleitei-me com curiosidade em sua leitura; o valor que damos à nossa história e às nossas reflexões alimenta a concupiscência, sempre necessária, pela nossa existência.

(Assina: Rodrigo Magalhães Dantas)



ESCRITOS PARA O POMBO-CORREIO,
Jornal da ABAICT,
(Associação dos Aposentados dos Correios)



Um Certo Martim

Olha aqui, - digo eu para minha nega -, vamos aproveitar o intervalo “para nossos comerciais”, para que eu saia deste torpor e possa falar alguma coisa; tomar banho; alguma coisa comer; soltar o que em nós está represado.
Ah! Essa televisão nos aprisiona na sala, toda atenção é para ela voltada. É como se hipnotizados estivéssemos fanaticamente a reverenciar um estranho e esquisito deus eletrônico.
Sem querer ser nostálgico, não posso deixar de admitir que hoje os tempos são outros daqueles em que as pessoas se reuniam para “jogar conversa fora”, para contar casos, para fantasiar a realidade, viver por momentos em um mundo falaz, dizer coisas que certos censores denominam mentira.
Nos bons tempos, não faltava um parceiro bom de papo. Ocorre-me agora a lembrança de LUCK. Assim chamado porque era inglês de Liverpool, - famosa por causa dos Beattles, que se auto-avaliaram mais conhecidos que Jesus -, há muito radicado na Bahia, lá pelas bandas da Praia do Forte.
Ele vasculhava aquelas cercanias como ninguém: Guarajuba,  Arembepe, Itacimirim, Diôgo, (antigo quilombo que ainda guarda certas características originais), Porto Sauípe, Massarandupió (hoje colônia de nudismo). Conhecia as matas, toda fauna e toda flora da costa de Mata de São João e arredores.
O mar, ah! O mar. Conhecia o mar da Bahia como nenhum nativo. Peixes, mariscos, crustáceos, tartarugas eram seus íntimos. Conhecia como ninguém, suas aves: gaivotas, (Larus L., Phaetuse Wag e Thalasseus Bóie),   fragatas, albatrozes, pássaros pescadores.
Em geral, capaz era ele de classificar cientificamente cada um destes organismos: Martim-Pescador, (Ceryle Torquato), Ipê-roxo, (Bignoniáceas Tabebuia), gaivota, (Larus L., Phaetuse Wag e Thalasseus Bóie),...
Pescar não fazia parte das suas habilidades, até porque o ato de pescar contrariava seus princípios, mas alimentar-se é preciso. E numa destas conversas o anglo-abrasileirado contou-me que, somente para aplacar suas necessidades proteínicas e nutrientes em geral, abastecia-se normalmente respeitando o equilíbrio ambiental; para tanto, utilizava-se de um submisso “Martim-pescador”.
Este grande pescador, de minúscula constituição, não media esforços para o meu amigo satisfazer, não importando se um quilo e meio pesasse um apetitoso vermelho ou uma deliciosa garoupa.
O velho Martim, segundo me disse o “gringo”, é uma reencarnação de Simba, um cão da raça dog-alemão. Bem isto é outra história...

 

Os Cães


Olha, eu sou daqueles que gostam de animais; aliás, certos animais. Particularmente, gosto de cães. Já tive vários. A primeira foi Bolinha. Ah! Essa cadela aprontava demais. Foi conosco na mudança do Engenho Velho de Brotas para São Caetano. Aprontava tanto que até missa assistia, com anuência do pároco. De quando em vez, assomava em casa com aquele repugnante cheiro do excremento humano, mas isto fazia parte daquela sua preocupação com a ecologia, com a reciclagem de resíduos em benefício da limpeza do meio ambiente, jamais por causa da natural, egoística saciedade de sua fome.
Depois, outros vieram. Me lembro de Totó. Era um mestiço com a predominância da raça collie. Era lindo. Fazia sucesso quando pela rua passava ou era visto em seu território. Era inteligente. Uma vez, no andar superior de minha casa, queria sua presença ali. Eu, em cima e ele no térreo; então, acenando, ordenei-lhe: “por lá” (circundando, ele pegaria a escada ). Não é que ele, após dar uma volta quase que completa, encontrou a escada e a mim chegou?
De outra feita, cheguei em casa, “com umas duas no juízo”. Abri o portão, só vi um vulto ameaçadoramente em minha direção. Era Mina. Ao que, gritei seu nome: “Miinaaa!!!”, ela reconhecendo-me pela voz, de pronto desfez o “bote”, tendo sido abortado um ataque de imprevisíveis resultados. Tudo isto porque, segundo dizem os entendidos, o álcool ingerido pelo homem retira-lhe, enquanto ativo, seu cheiro próprio. Portanto, era um invasor que, no entendimento do animal, deveria ser repelido. Desta data em diante, ao chegar em casa, fosse qual fosse a situação, identificava-me, chamando-a pelo seu nome; somente abrindo o portão efetivamente ao vê-la dando permissão pelo característico gesto caudal de assentimento, de boa recepção. Mina era uma cadela mestiça, com sangue de Fila Brasileiro e suas características principais. Esbelta, amorosa, brincalhona, de pelo tigrado. Recebeu este nome por influência, na época, de Mina, a empregada da viuva Porcina, da novela Roque Santeiro, após uma democrática eleição familiar.
Mas estou falando tanto de cães que foram meus, para chegar até uns outros. Quando escrevi “Um certo Martim-Pescador”, encerrei-a (a crônica) citando Simba, um cão da raça “dog-alemão” que pertencera ao inglês de Liverpool, de nome LUCK, assunto da referida crônica, publicada numa outra bem antiga edição do POMBO-CORREIO, lembram-se?.
Bem, o Simba era um cão típico de sua raça, esbelto, de pelagem preta, lustrosíssima, difundindo de logo a aparência salutar e o bom trato que recebia de seu dono; pernas longas, e comprido no sentido longitudinal do seu corpo, o que lhe dava um ar de pura elegância; de “focinho” excessivamente comprido e quase adunco, com olhar penetrante, próprio das criaturas estudiosas e inteligentes; dócil, porém não se devia arriscar atacar seu dono, a contrariá-lo, ofendê-lo ou invadir seus domínios, porque a reação era de um legítimo cão-de-guarda.
Pois bem, este nosso personagem não foi somente aquele cão bonitinho, ferrenho cão-de-guarda, etc.. Notabilizara-se ele por ser exímio pescador a exemplo e, talvez, por causa, do “Martim-pescador”, um excelente nadador, (sua especialidade era o nado de costas) e, acima de tudo, um professor de natação, a quem deve o já citado gringo a virtude de ter aprendido a perder seu medo até então incurável pelo mar e suas ondas. Para ele, criaturas perversas que procuravam pessoas para levá-las para o fundo do mar. E aprendeu, o que é mais importante, a nadar.
Nas belas costas do Porto do Sauípe, podia se ver, ainda, com a aurora por aparecer, cão e respectivo senhor a deslizarem suavemente sobre as águas do mar do norte da Bahia.
P.S. sobre a veracidade do narrado relativamente aos meus cães, eu me responsabilizo, já quanto a Simba, relatei o que ouvi do inglês Luck.


Hoje

Levantei-me, com alguma coisa me anunciando que hoje não era um dia comum, rotineiro. Concentrei-me no sentido de encontrar um motivo para a sensação que se me apossava e nada. Faço uma coisa e outra e lá me vêm aquelas sensações de um inusitado dia. Chegando ao Correio, entretanto, e deparando-me com o calendário, despertei! Hoje é 8 de julho de 2004.
Hoje é o dia oito de julho do ano dois mil e quatro d.C. Há, exatamente, quarenta e quatro anos ingressei no velho DCT. Para aquela casa fui admitido, ainda com dezessete anos, como Carteiro. Fiz de tudo que se possa fazer numa repartição, menos exercer as funções de Carteiro.
Lembro-me que, ao me apresentar, o então Chefe do Tráfego Postal, (CHP), Rodolpho (é com ph com mesmo), talvez condoído da minha frágil estrutura física, ordenou: “ele fica aqui no Gabinete”. E fui ficando.
Levava um documento aqui, ali e acolá e corria todos aqueles quatro andares do velho prédio do Comércio; quando não, teria que obstruir a passagem de tantos quanto queriam entrar para falar com “seu” Laranjeiras. Ah! Talvez tenha sido esta a mais difícil das missões. Pô, quando tencionava abordar o visitante, este não me dava à mínima e lá ia entrando. Quando isto ocorria, muitas das vezes, era submetido, posteriormente, aos impropérios do Chefe, aporrinhado que ficava por ter sido interrompido em seu trabalho ou em audiência com outra pessoa, ou mesmo por ter permitido o acesso a pessoa, para ele, inconveniente. E quantas vezes pensei em largar tudo.
Mas do que eu gostava mesmo era comprar, diariamente, o jornal e os cigarros do Chefe e gostava, porque além de considerar sair à rua um passeio, sobrava-me algum troco e, mais importante de tudo, livrava-me daquela ingrata função de porteiro.
Ocupando-me dessas tarefas fiquei por meses a fio. Até que num malfadado dia, acometido de uma grave crise renal, o Servente, (Sabino Anacleto de Lemos), licenciou-se. Foi uma licença longa para tratamento  de saúde.  Àquelas tarefas de office-boy, de porteiro, foram acrescentadas as de servente. Aí “a coisa ficou preta”. Passou-se para mim a responsabilidade de abrir e fechar o Gabinete. Ah, Meu amigo! A mudança foi radical, senti muito o golpe. Abrir e, por isso, ter que chegar cedo nunca foi problema, mesmo porque o “expediente” iniciava-se às 9 horas. Agora, fechar a CHP é que era o problema. Perdi a conta das vezes em que tinha que colocar a vassoura com a “cabeça” para cima a fim de espantar dali os indesejáveis interlocutores de “seu” Laranjeiras. Uma “tática” que ora se mostrava eficaz ou, na maioria das  vezes, inútil. Ficavam horas a fio, após as 17 horas, conversando amenidades, “abobrinhas” e eu ali tendo que aturá-los até que todos se retirassem para que, por fim, pudesse fechar a sala. Bem, mas não se encerrava aí. Teria ainda, depois de a sala evacuada, de varrê-la e descartar todo o lixo produzido no dia. Para então fechar, guardar a chave em um invólucro apropriado para ser entregue, finalmente, à Portaria.
É lógico que esta situação não se perdurara definitivamente. Foram me dadas oportunidades que me faziam crescer gradativamente, até que chegasse ao que cheguei, por fim. Mas isto pretendo abordar futuramente.  
Desta época, recordo-me com saudade das amizades que fiz. Muitas delas ainda “vivinhas da silva”, mas outras, infelizmente, desfeitas por terem sido chamadas para outro pavimento. Tempo bom. Não esqueço da velha cantina de “seu” Oscar, que alimentou muito marmanjo e cujo pagamento, (bem, sobre pagamento, este assunto fica para outra oportunidade), com sua velha e gostosa sopa, sua vitamina de banana etc; tudo isso num ambiente de extrema higiene. De  quando em vez o velho Oscar precisava, coitado, de assoar o seu eternamente obstruído nariz. Mas ninguém é de ferro, não é mesmo Antunes. Não é mesmo Davi?; ao som da bela voz de Ivo, que era double de garçom e cantor. Lembro-me do velho elevador, conduzido pela indolência do “velho Petrobrás”; da barraca do mate, (que delícia de mate!), que ficava em frente ao prédio do DCT, de cujo sustento da família tirava a proprietária e pôde criar todos os seus filhos; barracas de “fôia pode” da avenida da França; da cantina dos Marítimos etc. 
Esta foi, realmente, uma fase de preparação, de absorção de conhecimentos, de formação, enfim, para acompanhar a transição porque passou o Correio Brasileiro e para o que viria a ser, este que vos escreve, o Técnico Postal, o atual Estatístico Sênior.
Meus eternos agradecimentos a todos aqueles que ajudaram na minha formação e o eterno reconhecimento das amizades angariadas.             



UM INTERVALO ROMÂNTICO

Apesar de Você

É, não deixou de ser,
O querer que eu queria,
Fogosa e perdidamente,
Apesar de você.
Se era noite, se dia estava,
Nada nos impedia,
Simplesmente, amávamo-nos
Nada importava.
.É, não deixou de ser
O amor que pretendia,
Amado ardorosamente,
Com você e por você.
Se a chuva caía,
Com nosso escaldante calor,
Aquecíamo-nos.
Se o sol brilhava,
Com nossa momentânea parada,
Refrescávamo-nos.
É, não deixou de ser
O dever, que eu devia,
Cumprido leal
E seguramente
Por você 
E apesar de você.
Seu sorriso era meu gargalhar,
Em profusão de amor e alegria,
Vivíamos.
Seu orgasmo era meu gozar
Em sua crença acreditei
Sua lágrima era meu chorar
A chorar fiquei.
Com o sentimento
Refeito, purificado,
A alma pura,
Não mais chorarei
Lágrima futura.



Com Você

Aprendo o que já sabia
     (ou pensava que sabia),
Aprendo o que não sabia
      (e devia sabê-lo).

Ouço coisas que já ouvia,
Ouço coisas que nunca ouvi.

Temo, me encorajo.
Conheci a infidelidade,
Aprendo a ser fiel.

Me transporto para o irreal,
Envolvo-me de realidade.

Não penso, não existo.
Transmudo-me,
Vai-se a insegurança.

Sou animal livre,
No cio.
Sou animal enjaulado,
Tenho os pés no chão.

Tenho o peso da palha que vôa
Na direção do vento.
Tenho dúvidas,
Dúvidas, dúvidas...
      
(é bom reticenciar, já disse o poeta).


Poema dos Enamorados

O dia amanheceu
Com uma buzinada.

Uma festa no céu,
Um céu de mar,
Luzes e estrelas.

Um céu poente
Um céu nascente,
Nascente é o nosso amor.
O nosso amor será
Sempre nascente.

Haja guerras,
Trovões, tempestades.
Este amor renascerá
Das cinzas de uma explosão atômica.

E, como lava
De um vulcão,
Descerá de encontro ao rio,
Ao mar, ao infinito.
Este é o nosso amor.


A Resistência

Perguntam-me se o meu coração agüenta.
Não sei. A coisa é muito forte,
Nos envolve completamente,
Nos desestrutura.
Põe-nos à deriva,
Porque modifica nosso norte.

Você rastreia todos os quadrantes
Do meu corpo,
Como se uma fera fosse
A acuar outra.

Sua boca tremula
Em ânsia faminta e insaciável,
Como se quisesse devorar-me.
Seu peito se agita
Em frenética excitação.
Seus seios, por isto, impulsionados,
Sacodem-se em vigorosos movimentos juvenis,
Arfam,
Parecem querer grudar aos meus.
Seu sexo, ah! seu sexo,
Como um pulsar,
Palpita desenfreadamente,
Num turbulento campo magnético,
A atrair e absorver o meu.

Se resisto?! Não sei.
Aliás, toda esta exacerbada manifestação,
É por mim captada
E, ao mesmo tempo, de mim originada,
Na mesma intensidade, 
Na mesma loucura.

Difícil resistir, será,
À revelação de que,
Se for o caso,
A realidade se sobrepôs
À gostosa fantasia;
De que a sanidade
Venceu a loucura.


Já É Carnaval


As pessoas
A cidade assumem
Em descontraída
E exacerbada movimentação.

Tudo é uma gostosa fantasia
E tudo são milhões de realidades.

Ali, sob todo o fragor,
Sob todas as luzes, luzes incandescentes,
Que me ofuscam e me despertam,
Vejo-me, sinto-me
Alisando, acariciando,
Em licenciosa troca de lascividade,
Quem?
Você que ali não está.

As realidades se chocam,
As fantasias se agrupam
Em dominante bloco,
Mas o carnaval se finda.
Finda-se meu devaneio.
O gostoso já não é mais fantasia.
A fantasia rasgou-se.



“Para Nada” (me disseram)

“Para nada”,
É como se fosse do nada à exaltação.
Sair do zero à exclamação,
Voltar do êxtase à depressão.

Partir, arrebentar,
Entre a violência do ir,
O acomodar, ficar.
Conservar devia
O inteiro manter,
Mas tudo quebra ou se parte.
A parte, o inteiro corporifica,
Mas o sublima.

Em nada do nada se transforma,
O nada,é de se reconhecer,
Não vem do nada, nada!

Há que se fazer,
Há que se assenhorar,
É sempre assim.
A procura do tudo
Nos leva a divagar,
(Para que pressa?),
A nós, nos leva a desencontros,
A descaminhos,
A errado vagar.
Vagar à procura do certo caminho,
Onde o caminho certo está? ...

(É BOM RETICENCIAR, GIL JÁ DISSE. AQUI VOU TERMINAR)


O Sono do Guerreiro

Exausto, exaurido,
Dormi.
Dormi o sono do guerreiro.

Instantes antes,
Soluçou eu,
Ela, de amor, soluçou.
Uma guerra sem vencidos.

Agora, tudo me parece uma vitrine
De opaco plástico,
Não-transparente.

Ali explodem-se seres inanimados,
Amados, desamados.
É quase tudo borracha ou látex
Mas quem reina é a quietude,
É real,
Não é “quase um sonho”.


HOMENAGENS


Minha Mãe

Finda a tarde,
Surgem-me recordações.
Vejo sua silhueta.
Vejo pessoas,
Passos apressados
Vencendo a distância rua-casa.

Dia desaparecendo.
Ouço sua voz.
Ouço vozes inescrutáveis,
Ouço sons do rádio,
Ouço fascination,
Ouço a “Ave Maria”.

É a hora do banho,
Sinto o influxo da noite.
Confundo-me com os adultos.

Recebo seus reclamos,
Recebo seu afeto.

Você não mais existe,
Deixei de ser criança!


Ao Nelson Rufino
             (em agradecimento ao disco autografado)
Em “Viva Meu Povo”,
Ouvi, ouvi a manifestação
De um povo reprimido.

Ouvi um grito que foi,
Por muito tempo contido*
É o grito do Nelson,
É o grito vindo de nós,
Eles, todos, de você.

Ouvi o grito,
Gritado em  “O Cisco”.
Escutei “de mansinho”*,
Escutei devagar,
O grito do amor chorado,
O amor que
Se deixa levar

A introdução de outros autores,
A “Água benta”
Misturada à “aguardente”,
Leva-me à “Primavera”,
À “Essência da solidão”,
Ao arrependimento da briga,
Por todos os pecados,
Ao pedido do perdão.

* agora incontido, irrepreensível, com seu canto no vinil.
** gosto dessas expressões e de outras, como por exemplo, pegou de com força.

Um Certo Negão

(Negão - adjetivo qualificativo, masculino:
o mesmo que meu irmão, amigo, homem
decente...)

Conheci-o, não me lembro quando e em que condições. O relacionamento foi fluindo levemente sem atropelos, suavemente, como o deslizar do cursor no monitor impulsionado pelo dedo do digitador e, acredito, sem que a gente sentisse, resultando numa sólida amizade.
Recordo-me que, já nos conhecendo, nos encontramos em Belo Horizonte, aliás, mais precisamente, em Ouro Preto. Estava eu em viagem de férias e o Negão em viagem de recreio de fim-de-semana. Ele estava, naquela época, fazendo curso de Supervisão Postal (SP). Um parêntese: naqueles idos, fazer um curso de Supervisão Postal era de uma importância indiscutível; o sujeito estaria se preparando para atingir um estágio imediatamente anterior ao do Técnico Postal (TP); cargo este (TP) que comandava  na base aquela revolução, digo melhor, aquela explosão que redundou nisto que aí está, que é a Empresa de maior credibilidade no seio da população brasileira, (não posso ouvir ou falar deste desfecho sem que me emocione - externar minha emoção quanto a isto fica para outra oportunidade); pois, a pessoa de quem vos falo concluiu  o curso de SP. Retornou à sua DR, prenhe de conhecimentos e também de entusiasmo, e foi mandado para a Agência Postal Telegráfica de Vitória da Conquista comandar.
Era uma senhora incumbência - prá quem não sabe Vitória da Conquista era, (não  sei agora), a segunda maior cidade do Estado em importância sócio-econômica. Estava ele recém-casado e sua esposa sentindo a falta do amado.
Aqui de Salvador bulia com todos os pauzinhos na esperança de trazer seu querido esposo. Ora, me visitava (eu, então estava como Sub-Gerente do Interior), ora visitava Getúlio requerendo, com aquele seu jeito característico, a vinda do esposo.
Lá o nosso amigo fez o seu trabalho. Não sei de ter sofrido algum problema (de ordem profissional, lógico) ou ocasionado algum problema a quem quer que seja, inclusive, logicamente à ECT, na execução de sua importante missão.
Só sei que, em viagem de serviço àquela Cidade, descobri que o Negão, fora de horário do seu trabalho, exercitava uma das coisas de que mais gosta: fazer discurso (herança do velho Meirelles), ou melhor, falar, falar  em microfone, gosto, é bom que se diga, de uma certa maneira, frustado pela causa da ECT, e lá estava ele no Poleiro (um point da época em V. da Conquista): - “aqui Ivanei Meirelles,  falando diretamente do Poleiro para a Rádio...” E não é que o Negão me entrevistou?: - “Aqui Ivanei... vamos falar aqui com um torcedor vindo de Salvador (haveria um jogo, à noite, de um time de Salvador com um outro de Conquista) como é seu nome?... o que acha desse jogo?” Ainda em Vitória da Conquista, conheceu uma figura”, que está para nós dois, acima do bem e do mal: Walquir Dourado Pacheco. Quem o conhece sabe muito bem de quem estou falando.

Depois de pagar sua expiação em Conquista, retornou a Salvador, onde trabalhou em diversos setores Recursos Humanos, Administração, Operação e ainda se mantém na ativa.

É o meu focalizado uma pessoa inteligente, gentil, um gentleman, carismático, envolvente, alegre e acima de tudo festivo. É o nosso diretor de eventos. Com ele temos festa em seu integral significado, sem ele a festa não é completa. Sob sua direção, fizemos memoráveis festas, O BACALHAU DO MEIRELLES, a ressaca do carnaval, que aconteceu por seis anos. Aniversários, especialmente, os de 50 anos, Dia do amigo, Confraternização de fim-de-ano; todo dia era dia de festa, e ainda é, por que não? Sua índole festeira não lhe tira, entretanto, o censo de responsabilidade. É chefe de uma bem plantada família, co-capitaneada por sua esposa Da. Maria José, complementada por seus bem orientados filhos: Ivanei, Ivanessa e Ivana.

Seu hobby maior ainda é o futebol, embora não freqüente estádios; gosta muito de ler e de escrever. Hoje, acredito, sua maior diversão é fazer o POMBO-CORREIO, é ele acima de tudo um gourmet, anda sempre à procura de onde comer bem.

Suas maiores emoções, dentre outras, foi o nascimento do seu primogênito (Ivanei) e a realização da festa dos oitenta anos do seu Meirelles - testemunhei sua dedicação e entusiasmo na preparação do evento (lembra-se do feijão do Vital, Ivan?).

Sobre o Negão, vejamos algumas opiniões:
Presença nos momentos tristes, levando consolo, confortando, reanimando. Presença nos momentos alegres, contagiando mais ainda o ambiente. Resumindo: marcante sua presença em todos os momentos com a característica amiga que lhe é peculiar (Luiz Reis);
...uma pessoa de extrema sensibilidade, amigo em todas as horas, honesto, sincero, tranqüilo (mas não futuque a fera com vara curta, pois terá a resposta na hora), muito inteligente e criativo. Tenho orgulho em ser seu amigo (José Alberto)

Poderia preparar esta matéria para ser inserida na página ASSOCIADO EM FOCO, mas a humildade de Ivan iria permitir?


Um Certo Luiz

...Mesmo porque o silêncio doe.
O silêncio doe
Como uma arma brandindo,
Como um punhal
Que fere,
Como sobre a vítima
Age seu algoz.
Foi Luiz Santana
Uma alma boa,
Uma pacífica alma:
Honestidade, lealdade,
Com sabedoria.
Uma alma daquela
Que o afoito amansa,
Uma alma daquela que
O desesperado acalma
Nunca um animal feroz.
      Aprendeu-se com Luiz
Como da vida gostar.
Mas, constatei com ele,
Como de uma vida se acabar.
Logo ele,
Que tanto da vida
Nos ensinou,
Voluntariamente dela
Se separou.
Da morte, nos estertores,
Prá se despedir,
Na árvore subiu,
Carnavalesco que era,
Lembrou-se da
Vitoriosa Imperatriz,
E, para todos,
Provocou uma chuva
De Oitis.
(Eu vi, nós vimos, Cláudia, sua sobrinha, Também viu).


O Padre Preto  (Dom Gílio)

Andar contra o vento,
Me dá arrepio.
A natureza, ah! A natureza.
Não é rei, nem Papa, nem Pio.
O bispo está agora assumido.
Luta contra a sujeira branca.
Ele fala nagô,
O negro está sorrindo,
A sua função já assumia.
Aplaudamos de pé,
O padre negro.
E o padre negro disse:
Modjumbá axé”*

(* ”desejo que o todo poderoso te abençoe”)

Dos Bares da Vida

Não é querer fazer apologia ao alcoolismo, mas sempre pensei em escrever sobre meu relacionamento com a bebida. Minhas andanças pelos bares da vida, pelos bucólicos lugares que conheci, pelas pessoas que conheci, especialmente aquelas figuras características que fazem o ambiente de um bar.
Lógico está que não vou querer falar sobre o lado negativo do alcoolismo, por demais conhecido e, com justa razão, condenado. Há, nesse universo etílico, ambientes agradáveis, fantásticos, envolventes, prazerosos; situações curiosas, surpreendentes; também, figuras humanas realmente notáveis.
É, particularmente, sobre essas figuras que gostaria de me exprimir. Queria ter o poder de possuir aquilo que se chama memória fotográfica para memorizar ad eternum tais figuras, seus casos e situações em que as protagonizaram ou das quais foram simplesmente coadjuvantes, para reproduzi-las em um amplo registro literário.
Ocorre-me, no momento, somente uma certa figura e algumas das suas muitas histórias. Esta pessoa eu conheci, por intermédio, do meu dileto amigo, “irmão de fé, meu camarada” Ivan Meirelles.
Aliás, muitas das minhas andanças foram com e por causa do dito cujo: locais, antes desconhecidos, foram familiarizados; amizades foram feitas; situações agradáveis protagonizei e fui espectador, por sua causa, repito.
Bem estou dando mais voltas do que bêbado discursando. Voltando, conheci a figura a ser focalizada por intermédio do Ivan Meirelles. Habita numa das mais tradicionais regiões de Salvador. Região inspiradora de inúmeros poetas, compositores, músicos, artistas plásticos, etc. Dali, o por-do-sol é deslumbrante e, por isso, deveria ser incluído na publicidade da “Bahiatursa” sobre o por-do-sol visto do Elevador Lacerda e, parece-me, do Morro de São Paulo, como os mais bonitos da Bahia.
Sua cozinha, quando o próprio a assume, é inigualável. Tem como marca registrada a Miraguaia, às segundas-feiras. Whisky? Bem:
- Temos lôgas (Logon), três quinas (Grants).
- A cerveja. Bem, a cerveja nunca é a da marca que o cliente quer:
- O carro da Brahma não passou:
- A Skol ainda não veio.
 Cerveja gelada?
- Pô, você demora de beber e quer que a cerveja mantenha-se gelada?.
Ora bolas, ali cliente não manda. Como mandar, se o cliente confunde-se com a condição de proprietário, tal é a permissividade nesse relacionamento.
Ele é um “empresário” do ramo de bebidas, nunca um “barraqueiro”.
A sua empresa está localizada na praia,. Ali, as mesas são dispostas, a exemplo das barracas de praia, em área aberta por sobre a areia da praia (por isso, chamam-no de barraqueiro). Mas, como nenhuma outra, dispõe de “salão VIP”, onde os sócios-clientes têm lugar cativo e onde se abrigam em caso das inconvenientes chuvas que conseguem vencer o sol de Itapuã.
É pacato. Não é de confusão. Mas já teve de usar de força para proteger seu patrimônio e sua dignidade, por algumas vezes. Já botou prá correr um italiano e um jornalista, que se meteram a besta.
Banheiro?
- Sim. Temos o uoter close, ali.
Mas, Nogueira, o banheiro está “derrubado”.
- Olha, eu não tenho culpa se a Prefeitura não deixa eu  fazer um sanitário decente.
Dever, não deve. Há alguns problemas com as concessionárias de serviços públicos, como todo mundo tem. Sua conta com a Embasa estava atrasadíssima. O empregado veio para cortar o fornecimento. Quem disse que encontrou o hidrômetro?. Até hoje, procura o “registro” e não o acha.
Para cuidar do aspecto jurídico, conta com os competentes serviços do Dr. Samuel, “o advogado da empresa” e que já o livrou de problemas com a “justa”, como estes dois casos citados acima.
Seu assessor para assuntos econômico-financeiros é o Louro.
Goza da consultoria empresarial do bem sucedido empresário Lula.
Mentir não mente. Mas tem uma série de histórias (ou estórias?). Turistas vivem a lhe perguntar:
Onde mora Vinícius de Morais? Onde mora Juca Chaves? Para eles, tem a resposta na ponta da língua, com a pergunta:
- Vivem a me perguntar onde mora Vinícius, onde mora Juca Chaves, por que vocês não perguntam onde moro?.
E lhes aponta uma mansão próxima à sua empresa como a sua residência. De certa feita, colocou-a à disposição de um gringo, que acreditou e quis gozar da hospitalidade do Negão. Bem, aí... .
As muitas histórias do Negão já fazem parte dos alfarrábios do “escritor” Vitor, que vem trabalhando para transformá-las em sucesso literário.
Este personagem é o meu amigo, compadre e, segundo a definição de Ivan Meirelles, “o mestre Nogueira”.


Algumas Boas Lembranças

Já tive oportunidade de dizer que falar ou relembrar meu passado no Correio me traz muitas emoções. Afinal de contas, cresci junto com a ECT; vi a nascer; assisti à sua consolidação; à solidificação de sua estrutura; à chegada ao avançado estágio em que se encontra. Tudo isto tem uma parcela do meu trabalho, da minha dedicação, mesmo sendo um grão de areia numa extensa praia.
Ao rebuscar estas recordações, vêm-me lembranças de companheiros que colaboraram na minha formação e que também participaram comigo da transformação dos Correios Brasileiros. E gostaria de citar alguns. Em certos casos, é muito perigoso citar nomes, pois, corre-se sempre o risco da omissão. Mas ao fazê-lo, tenho certeza de que não o farei por razões propositadas, por razões discriminatórias. Portanto, àqueles que se sentirem omitidos, previamente peço minhas desculpas.
José Joaquim Borges de Araújo. Este, já no “andar superior” há algum tempo, foi e, por que não dizer, é o meu Guru. Aquele, dotado de sabedoria superior, que ampara, que orienta, que ensina. Devo-lhe muito daquilo que aprendi não só sobre correio, mas sobre a vida de uma maneira geral.
Ele, maçom, dizia-me sempre: quando você completar 30 anos (ou 33, não sei bem), vou levar-lhe para a Maçonaria. Só que eu nunca quis envolver-me com instituições que me impusesse reuniões, horários, estas e outras formalidades e, muito menos, rituais religiosos, místicos, etc. A ele devo a oportunidade de ter sido mandado fazer curso na então EACT (Escola de Aperfeiçoamento dos Correios e Telégrafos), em 1971, no Rio de Janeiro, o que me deu a condição de ser enquadrado como Adjunto de Transportes e permanecer na ECT, quando estava de “malas arrumadas” para a iniciativa privada.
Foi “seu” Araújo um mestre, um amigo, na acepção da palavra.
Alto funcionário de carreira, ocupou diversos postos importantes no DCT, chegou a chefiar o Departamento de Pessoal, no Rio de Janeiro; além de, já na ECT, ser Gerente de Operações por longo período, aquele período de efervescência administrativa postal, e chegou até a responder pela Diretoria Regional.
Tinha umas boas “tiradas”: para o trabalho, seu traje era sempre terno completo. Não somente porque sua posição exigia, como também para driblar os “pidões”. Assim, distribuía, por todos os bolsos do terno, cédulas de valor menor. Quando um daqueles, e não eram poucos, lhe aparecia pedindo “um dinheiro”, levava a mão para um dos bolsos e retirava a cédula, dizendo: só tenho isto.
Sempre que eu queria tomar uma decisão importante, mas apressada, ele, com sua sabedoria, me pedia para ter calma, amadurecer, contornar “o arroubo da juventude”.
Sofremos juntos um acidente automobilístico, quando nos deslocávamos, a serviço, de Barreiras para Ibotirama. O veículo desgovernado saiu da estrada, enveredou-se por um campo de topografia irregular, sofrendo, acho, triplo capotamento. Fomos arremessados para fora cada um para uma direção, inclusive o motorista, Edson Bonfim, que está aí vivo para confirmar. Cessado todo aquele período de desgoverno, levantamo-nos, um procurando pelos outros. Logo vejo “seu” Araújo, (Bonfim ainda estava escondido(?) em uma moita de capim), que vai se levantando, inspecionando seu corpo à procura de algum ferimento, ou coisa assim, quando ele diz desesperado: “meu ouvido!. Meu ouvido está sangrando!”, diabético que era, deveria temer muito pelos males de uma hemorragia, quando me aproximo, com dificuldade, constato, para alívio de todos, que somente havia um arranhão em sua orelha.
Quando viajando de Ibotirama para Bom Jesus da Lapa, a estrada era um só “areial”, nada de pavimentação.
Paramos para almoço em Paratinga. Estávamos a almoçar, quando percebi que o galináceo que comíamos continha, ainda!, excrementos em suas partes. Suspendemos imediatamente a refeição. Só nos restou, por sua iniciativa, tomarmos uma dose de cachaça, como se fosse para neutralizar possíveis efeitos de ingestões indesejáveis. 
“Seu” Araújo tinha um cacoete. Dizia sempre a qualquer interlocutor seu: “você é meu amigo”. Por isto, diziam “é... todos somos amigos dele, mas ele não é amigo de ninguém” . Em verdade, sempre acreditei que ele queria dizer que seu interlocutor era considerado por ele como amigo, e a relação amiga é reflexiva, jamais da forma como aqueles pensavam.
Uma outra pessoa, de quem guardo gratas recordações e a quem sou eternamente grato pela minha iniciação nas coisas de correios, é o Sr. Antonio Leôncio Teixeira, também, já no andar de cima. “Seu” Teixeira me levou para lhe secretariar numa das mesas mais importantes da Chefia do Tráfego Postal. Sua mesa ocupava-se com tudo que dizia respeito a Encaminhamento Postal, (termo hoje usado), que naquela época se chamava Transporte de Malas Postais. Conhecia como ninguém, todo o Estado da Bahia, por mapa. Sabia, de cor e salteado, como se dava o encaminhamento de e para qualquer unidade postal, por mais remota que fosse. O meio de transporte, a freqüência e horários e o nome do condutor ou condutores de malas, etc,  
Alvos cabelos, às vezes, por esta razão, chamavam-no por “Cabeça Brança”. Além de tudo, sempre bem humorado.
Com ele trabalhando, fui espertamente absorvendo conhecimentos que dele fluíam e quando fui obrigado, por motivo de saúde, substituí-lo; assumir, portanto, aquela tão importante Banca, estava, de certa forma, preparado, embora tivesse que  sofrer os tropeços naturais de um iniciante, inclusive “mau-olhado”, (bem, isto fica para outra oportunidade).


REFLEXÕES


“Alto” Biografia”

Nunca pensei em falar sobre mim. Aliás, nunca penso. Eu não sei pensar. A minha mente é um amontoado de pensamentos: incerteza, futuro, traição, amor, ódio, humanidade, sexo, origem-da-vida, passado, fim-da-vida, religião. Tudo isso se me ocorre como seu eu pensasse. Sei amar e desconheço o amor. Não sei odiar, no entanto, conheço o ódio. A certeza não existe.
A origem-da-vida e o seu fim se confundem na minha concepção. Não existo, mas, vivo. A certeza do que eu sou leva-me a crer que uma outra substitui a minha real personalidade. Não tenho dupla personalidade.
Aparento-me calmo, no entanto, não sei controlar meus instintos violentos. Há uma luta renhida no meu interior, de cujos litigantes o vencedor é o mais fraco. O fraco sempre vence. É assim a história? A “estória da carochinha” é real tão quanto é a “história da humanidade”.
“Amai-vos uns aos outros”, isto encerra uma verdade tal que o amor existe. Quisera saber amar. Gosto de ser romântico, mas repudio o romantismo, que é a fantasia, que é a vida. O homem romântico não vive, o realista é morto.
Eu creio muito na tal da reencarnação. Constantemente, se vêem homens vivos encarnando-se em mortos. Eu creio muito na morte, não creio na vida.
Uso e abuso dos contrastes. O contraste, a contradição, a incoerência são as tônicas de minha vida. Falar em incoerência, lembro-me de política. Em matéria de política, sou um “radical opositor”. Estou contra tudo que é a favor. Gosto dos extremismos. Não sou da direita ou esquerda. Sou ambidestro. Escrevo com as duas mãos e com ambas dou “adeus de mão fechada” a todo assunto político.
Falei em contraste, mas como se isso não existe! Dia-noite, amor-ódio, cedo-tarde. Cada um desses pares de palavras denota somente uma cousa. No dia, ou melhor, quando eu encontrar os significados desses pares talvez passe a compreender tudo que se passa ao meu redor.
Já tive muitos brinquedos, quando menino, mas o que me traz grata recordação não me pertencia.
Eu sou da minha família, mas queria ser livre. Meu pai, eu conheci(?) por 3 anos. Tinha eu este tempo de nascido(?) e ele morria. A sua imagem de bom homem ainda habita no meu cérebro. Minha mãe e ele formavam um casal perfeito. Não quero mais falar sobre minha família. Os parentescos de 2º grau não existem.
No 2ª ano de ginásio, entrou em minha vida uma mulher, daí, em diante, várias como pássaros em revoada. A última delas se prendeu a mim e fez prender-me a ela. Creio que por pensarmos da mesma forma. Há muita identificação entre mim e ela, não sei se é bom este estado de coisa, mas não temo.
As atividades profissionais me fizeram conhecer a “vida”, ou melhor, complementar meu conceito sobre isso... nada entendo e, pior, vejo tudo com ceticismo.
Sempre trabalhei, desde cedo, mas acho inútil e até desnecessário. Trabalho porque estou preso a esse tipo de prisão. O dinheiro rege tudo: a humanidade.
Música, pintura, escultura, todo tipo de arte é como se fosse a realidade a encobertar a fantasia.
Fantasmas, bruxas e toda espécie de sobrenaturais passei a conhecer desde quando passei a tomar aulas de religião. Religião não há! Há fanatismo que eu nem sei o que significa. Ver para crer o que se fala da “inquisição”.
Guerra! Para toda espécie de guerra há uma forte argumentação.
Seria o mundo, (estranhável é que, pela primeira vez, uso este termo), mudo. Mudo sou eu que ainda penso em futuro.


Minha Vida

Depois de tanto viver,
Desejo não ter morrido.
Nasci vivendo, morrendo,
Mas não quero morrer:
Vida-morte, sul-norte.

Nasci na pré-infância,
Nasci na minha morte.
Sou vivo ou morto procurado;
Em viagem, bandoleiro,
Jagunço pacato.

Nasci nas trevas
Do sol brilhante,
Em sombras
Ofuscadas do dia.

Morro, ventos,
Relvas, descampados.
Morte de Jesus...
Morro e vivo a paixão
Em desenfreados
       Acessos de traição.

Vivo morri, morto nasci
Em esplêndido berço de madeira.
Nascido fui, morto fiquei;
Oh! Parabéns para você.

Natalidade-mortandade,
Nem tudo que reluz é ouro.
Não estou nas estatísticas dos homens,
Será que estou na de Deus?
O diabo é quem sabe.

A alegria me acompanha,
A tristeza não me larga.
Andamos sempre juntos
Em largas cavalgadas,
A pés, a cavalo ou a foguete,
Não importa o meio,
O fim é um só:
A terra, via espaço sideral.



Sonhos

Nas minhas visões noturnas,
Vi o dia.
O meu rotineiro dia infantil,
Retornei ao passado.


Que bom!
Revi-me no meu reflorir.
Vi-me trilhando
As mesmas vias
Que me conduziam,
Que me impulsionavam
Em incessante vai-e-vem,
Aos quadrantes
Do meu interimaginado universo.


Vi ladeiras, igrejas,
Colossais prédios coloniais,
Vi casas velhas,
Velhas residências,
Vi ruas calçadas,
Ruas de barro,
Vi-me correndo na chuva,
Crianças ingênua
E, despreocupadamente, brincando.

Vi pessoas, amigos.
Não vi a criatura sonhada.
Chorei, chorei muito.
No final,
Sentindo desaparecerem as imagens,
Acordei.


A Vida

A vida, minha eterna namorada,
Eu não namoro.
Amo e não faço,
Somente a flerto.
O meu horizonte é absorto, aberto.
De amarras, livre.
Amarras, se existem,
Me soltam.
Meu arco-iris também é reto.


ECT – Eu Corro Tropeçando

Flor,
Alface, beleza,
Alface, alcatrão, poluição.
Beleza, altura,
Deus-existência.
Rico, Pelourinho. 

Caryl Chesmann:
Enforcamento,
Cadeiras elétricas,
Domínio USA.

Salvador, abolição,
Aonde vamos?
Fui ao Tororó beber água,
Fiquei bêbado.

Astronautas fingidos,
Opulentos cavaleiros,
Traidores –
Cavalheiros e damas.

Amor, ódio, traição:
Note a diferença!
Rinso lava mais branco.

Abaixo o corpo,
Relaxo os músculos.
Racismo, obra de arte,
A arte faz cocô?

Melão, melância,
Melo os pés,
Estrôncio 70.

Comunicação,
Carro, telégrafos,
Correio, navio.
Amor, traição, alegria.
Beleza usa creme pond’s
E gillette.


Conta de dedo, de cabeça,
Computador, com puta?
Misses, perdição, vício, prostituição,
Unissex acaba, finda, funde, etc.
A natureza é assim,
Assada ou mal-assada.

Pizzas, salame,
Correio, carros, comunicação,
Marinetes, marionetes.

Silêncio! Morreu o homem –
Mas qual, é carnaval:
Dona Flor e seus maridos,
Avenida Sete, São Pedro,
Que horas são?
Barroquinha Zero Hora.

Comunicação,
Cegueira, “benorragia”,
Colírio mora no Brasil.

Comunicação, cegos, surdos,
Ricos-mendigos.
Correio, córregos, escorregou.
Lealdade, correio,
Comunicação:

Os homens morreram,
Silêncio! Caluda!
É carnaval.


Ao Meu redor


Aqui, em meio a névoas
E nuvens de fumaça,
Me encontro.
Tudo é sombrio e silencioso.
Dentro e fora, há sussurros
De motores
E propulsores me ensurdecem
Com seus zunidos.
Luz não há.
Há mercúrio
Que transforma
Minha retina
Em laboratório multicor.
Durmo sonhando acordado;
A realidade se confunde
Com o sobrenatural.
Vejo almas mortas-vivas,
Num entrelaçamento fantástico.
A fantasia existe,
O que é real deixou de ser.
As árvores de
Velhice claudicam,
Os seus frutos sacodem-se
Em juvenis movimentos:
É a vida.
Água-viva, fogo-morto.
Lá fora, o que vive
Não vive.
E o que vive,
Vive.
Ponto-morto,
Homem morto.
Tudo morto...


O Dique

Reencontro-me entre palmeiras, samambaias, bromélias, amendoeiras, pés-de-loko (de Iroko - um orixá fitomorfo), uma vasta e exuberante relva, Compondo e sendo o motivo maior desta paisagem, um lago de águas claras, onde habitam acarás, tilápias, piabas... e “baronesas” sabem vocês o que são “baronesas”? vegetação que vive na superfície de águas, dizem, apodrecidas e se alimentam das matérias orgânicas decompostas.
Neste ambiente, o Homem possui o domínio em sua plenitude. Uns praticam emocionantes competições de remo, outros competem natação. Nós outros, crianças e adolescentes, jogamos bola, corremos em alegres folguedos e até aventuramos nadar naquelas que se diziam traiçoeiras águas. Sim, porque se se tentasse “tomar pé”, “adeus a Coló”, “já era”! Animais diversos vagueiam em total liberdade.
Os monumentais troncos dos pés-de-loko são o santuário onde os orixás, especialmente os ligados às águas, (Oxum, Oxumaré, Yemanjá, Nanã Burukê), empanturram-se dos ebós e oferendas outras deixadas pelos curujebós.
Assisto a séquito das gentes de candomblé, babalorixás, ialorixás, ogãs, iaôs, devidamente paramentadas que para ali vão cultuar, ou cumprir suas obrigações com os orixás e de onde emergem e multiplicam-se cores como se um dinâmico arco-íris evoluções fizesse com todo o seu espectro, 
O Dique, que do Tororó não concordo, (pertence mais ao Engenho Velho ou à Curva Grande, onde estão suas nascentes, segundo  dizem),   ocupava  uma  área  infinitamente   maior  que   a atual: vinha da Curva Grande (Baixa dos Barris) e estendia-se até as Sete Portas, onde se encontrava com o Rio das Tripas que desaguava na Praia do  Chega-Nego.
Foram os Holandeses que construíram (sua represa) e, dizem também, que sua expulsão se deu devido ao fato de Maurício de Nassau sofrer endoidecidos arrepios ao passar por sob os pés-de-Iroko, fato este não anotado nos anais da história.
Vivia-se feliz e não se sabia, nos anos cinqüenta-sessenta do século passado. Nos meados dos anos setenta, sofreu Salvador daquele que seria o mal urbano originado do incontrolável inchamento populacional e da inevitável intervenção urbanística, descaracterizando-se, portanto.
No Dique do Tororó hoje, os orixás são esculturas de ferro.
Não posso, hoje, andar com meu cachorro. Tenho que carregá-lo.


Cheiro de Jasmim

O Cheiro de jasmim,
A escapar da
Trânsfuga luz,
Foge, inebria
E parece apagá-la,
Me acalma,
Me seduz.

Lá no alto, as estrelas
A brilhar se recusam.
O céu enevoado,
Encoberto, encoberta
A minha mente.

A lua, na penumbra, dormita
E a dormitar enleva-me.
Os meus pensamentos voam,
Conciliam-se meus sentimentos.

E nesta mágica
Mas cinzenta
Atmosfera,
Viajo em
Tortuosos caminhos,
Em estradas
Alargadas, intermináveis,
Aonde vou? ...

 
A Vaga Mente


A morte vaga,
Veja a mente,
Quem é que não sente?...

Quem fala a verdade,
Quem não mente.
Quem é que cala?
Quem consente.
Quem é que
Sua dor não sente?

O juízo viaja. 
Viaja a mente,
Viaja, viaja
Lá pro horizonte,
Quem sabe?
Além do zênite,
Do sol poente.


Pela Madrugada

Eu vou sentindo-a
E levando-a.
Nada me segura,
Estou livre,
Como um pássaro,
Como um ser
Que quer viver.
Mais uma vez,
Eu tenho o peso
Da palha que voa,
Voa porque
Não quer andar.
Andar prá que
Se eu tenho
Que amar,
Mas amar quem?
Se eu não tenho
Um vintém,
Não, não tenho reais
Porque não quero.
Mais que amar
Tenho que gostar.
A madrugada é linda,
O sol quer nascer,
Por onde quer que eu passe,
Vou prá frente,
Vou pro Ateneu.
 O galo cantou,
Cantou uma,
Duas vezes,
A penumbra venceu
O último ato acabou.
Eu falo
Porque não tenho
O que dizer,
E de nada vale
Gritar, na minha verve,
A quem serve?...

 

O Pensar


Olha, eu pensei,
Pensei muito.
Pensar é
Como levitar-se.
É como se ...
A transgressão
Do espírito fosse;
É como um corpo
A desnudar-se.

Fico nu,
Fico de todos
Os conceitos, livre;
De todos
Os preconceitos, despido.

Elevo-me alto,
Em fantasmagórico ambiente,
Em vertical vôo,
Numa colossal nave.
Deslizo-me, transporto-me
E, nesta inexistente
Atmosfera,
Sou o moto-contínuo.

Continuo a mover-me,
Levo-me aonde não sei.
Uma chama me acompanha,
Ilumino-a, ofusco-a.


 
O  Vôo da Garça

O vôo da garça,
No descampado do Capivara,
Arremete, arregaça
E me leva para o além.

Acolá, vê-se a “aldeia hippie”,
Coqueiros balançam-se
E embalam-se aos ventos,
Quedar-se parecem.

Ao fundo, semi-encoberto
Pelo frenético coqueiral,
O oceano.
E o homem lança-se ao mar,
Sua embarcação valente
Das ondas não teme,
Enfrenta-as, vence-as,
Como vence a fera
Seu predador.
O mar, como a render-se,
Acalma-se.
À passagem do saveiro,
Resigna-se.


VIAGENS
Valença - viagem...viagens... viagens


Ligações frustradas
E frustrantes.
Sua ausência,
Além das vinte horas.
Atormentado início,
Começo atormentador,
Sinais atormentadores.

Ligação restabelecida,
Restabelecida a tranqüilidade.
Convite jogado a ermo,
Convite despretensioso,
Convite destemidamente aceito.

Vinte horas,
Hora da chegada,
Chegada triunfal
Da Deusa.
Janta apressada,
Recolhimento ao hotel.

Violentas descargas de amor,
Explosões vulcânicas,
Rios de lavas,
Viagens interestelares,
Uma noite,
Vários anos-luz

Amanhece o dia,
Corpos exaustos,
Adormecidos corpos
Espalhados na alcova,
Corpos prenhes de amor,
Corpos purificados.

Passeio à praia
Que não se viu.
Ensaio de briga – por nada,
Ah! Este tempero
Ora irritante,
Ora picante.


Enfim, a noite.
Noite desprogramada,
Noite despretensiosa.
O início devagar,
Música e nós, somente nós.

Clima bom e em ascensão.
Conversa, carícias, música.
Conversa, carícias, música
E dança.

Movimentos cadenciados,
Movimentos lascivos,
Voluptuosos,
A “dança do rato”,
Corpos “enfiados”.

Dança, música,
Conversa, carícias,
Movimentos excitantes,
Testa na Testa
Convite ao prazer,
O prazer convidado,
Realização do próprio
Gozo sem orgasmo

Lua alta. Aponto-a,
É linda!
A deusa do firmamento
Reina no céu.
Na terra, no ar.

No meu todo,
No meu universo,
Reina minha deusa.
É a majestade
E o servo
Em incestuosa relação,
Entregues.


Já caminha, a noite,
Inexoravelmente
Para seu final,
Ah! noite inesquecível.

São três horas
Da madrugada,
Tudo escuro.
A aurora ainda
Não se faz presente.

E, nesta cúmplice
Escuridão,
Os corpos voltam
A se degladiar,
Numa luta
Em busca do gozo mútuo,
Gozos são incontidos,
Incontroláveis,
Gozos são uma eternidade,
Eterno é o amor.



Paulo Afonso

Nação internacional,
Terra da “promissão”.
Aqui a natureza nasce,
Morre de esperança.

O dono da terra
Não é dono de si!
De si, só o seu trabalho.

O rio dizima cidades,
Paulo Afonso IV,
Sobradinho, Moxotó.
O rio é a CHESF.

Os homens somem,
São “população flutuante”,
Flutuando.
Nascem peixes,
Que se alimentam
Nas turbinas,
Ou as movem:
Surubim,
Peixe-elétrico.
Sertanejo, homem-rã.
Velho Chico,
Velho Delmiro.


Caravelas

É incrível.
Aqui tudo é claro,
Não há escuridão,
Não há escuro.

São as casas livres,
De arquitetura mimosa
E sem a obrigação
Do reto ou aro.
Elas não têm muro.

É uma cidade brilhante,
Demais luminosa.
Não é pequena,
É extensa.

As tradicionais luzes,
Velas
Naturalmente dispensa,
Aqui é Caravelas.

É noite e das aves
Ainda se ouve o pio
E seu estrilo.

Vejo com arrepio,
Atrás da amendoeira,
Cantar uma “negraiada”,
É bonito o seu cantar,
E jogam, jogam capoeira.
(Abraço o bem,
Afugento o mal),
Além de tudo
É capoeira regional.

Por falar em canto,
Faz-se privilegiar
O “quê”
Em detrimento de
“O quanto”.

Cantando sem parar,
Ali próxima,
Com seu triste
E repetido chilreio,
Está uma sabiá.
Que me leva a uma
Profunda reflexão.




Medida da viagem

As ondas, ao meu lado,

Reluzem,

Parecem querer

O barco derreter.

As nuvens nos alcançam,

Nos conduzem,

É o fim do infinito,

Sem merecer.

O barco urge,

Como urge a fera.


Parece que tudo parou,
Que é um sonho distante,
Uma quimera.

Mas, é verdade,
Nada decepcionou.
É sério, é verdadeiro
Eu sou o propulsor,
Eu sou o saveiro.

Longe estou,
Perto ou longe.
Na dúvida,
Pego um medidor.
A medida não é mensurável.



Duas Cidades

Hoje, por Periperi passando,

Lembrei-me de muitas coisas.
Do meu passado,
Fiquei relembrando.

Dali se constata,
Há duas cidades:
A de cima e a de baixo.
Para ali foi minha
Primeira namorada,
Amiga da “Diva Pimenta”,
Com este nome agüentar,
Quem agüenta?

Cidades separadas
Por ladeiras,
Por dinheiro.

A de cima,
Com longa saída para o mar,
É a alta,
Cheia de luxo, mansões,
luzes, candeeiros,
É a ribalta


Para a outra,
A de baixo:
O mar enseado,
O comércio,
Os curtumes,
As palafitas,
Os alagados.
Os maus costumes.



Abro’lhos

Agora, nos Abro’lhos,
Tome cuidado.
Toda atenção é pouca.
O mar está acalmado,
É limpo o céu,
Mas cuide-se de
*Paredes o Parcel.

Assim como sem olvidar
Dos seus trabalhos,
As aves seus ovos velam,
Sem para o céu olhar.

Olhando o mar de espelho,
Que nem Narciso,
Admiro-me, viajo,
Navego, me aprumo
“Navegar é preciso”,
Com o mestre
Está o prumo,
Sem chuva,
Está o rumo.

E o vento não é sul,
O lado não é bombordo,
Nem boreste.
A nos mandar
Está o velho nordeste.

Afixemos os olhos
Em tudo que não nos interesse
É uma lição dos Abro’lhos.

* uma formação de corais com profundidade inferior até a dois metros, chamada “Parcel das Paredes”.


No beco do Morro


No Morro, não sei
Eu vivo, não morro.
No Morro, eu quero,
Mas finjo não querer.
No Morro,
Tenho medo de morrer.
Morrer, só se for de amor,
Vou me expor,
Eu gosto deste amor.

Lá em cima,
As pitangueiras falam,
Nos deram frutos,
Comemos.
As pitangueiras sorriem,
Sorriem com o sol,
Sorriem por nós,
Sorriem de nós,
Sorriem,
Sorriem a sós...


CARAVELAS/ABROLHOS

Estou acomodado na Pousada Jatobá. Aqui, já tomei conhecimento de que Caravelas possui a 2ª maior área de mangue no mundo, só perde para o Cambodja na Ásia, mesmo assim em manguezal mais alto, é a primeira. Estou acertando minha ida a Abrolhos, devo sair amanhã pela manhã (7h) e chegar de volta depois de amanhã às 17h. A Pousada fica à entrada da cidade, ainda não fui ao centro.
Agora, no restaurante para jantar, em minha frente, há quatro “turistas”. Um deles é jovem e, ao que parece, médico, acredito pela conversa que ouvi: UTI, morte encefálica, doação de órgãos, etc, que, a certa altura, após falarem em gênios, clones, DNA, pergunta: “qual a diferença entre o negro e o câncer?” Ele mesmo responde: “o primeiro morre”. Humor negro e racista. Não achei a mínima graça.
Por volta das 5h15, do dia seguinte, dei uma caminhada de 40 minutos. Às 8h15 estamos partindo no barco Atlântico com destino a Abrolhos. Às 10h15, após navegarmos bem mais de 60 minutos sem ver terra, já aparece no horizonte o perfil de Abrolhos. Às 11h15 e 11h30, a linha do barco fisga uma “sororoca” e uma “guaricema”. Os motores foram desligados às 13h05, hora em que vi e fotografei a primeira tartaruga.
O arquipélago é constituído de cinco ilhas: a primeira, a menor de toda, é chamada de Guarita; a segunda, a maior, é a Santa Bárbara, onde ficam o farol e onde residem os militares da Marinha, que trabalham na sinalização para os navios, e seus familiares; a terceira, a 2ª maior, é a Redonda; a quarta, a visitável, é a Siriba e, por último, a quinta é a Sueste. São ilhas com vegetação rala, de aparência nada agradável; não se vê a exuberância do verde, devido serem formadas de resultado de erupção vulcânica. Toda a exuberância, toda a beleza, está no mundo subaquático.
Pela primeira vez, nadei com uma máscara (snorkel). Pela primeira vez fiz um mergulho. Pude, com isto, ver realmente a beleza que é o mundo submarino. Por volta das 11 horas, almoçamos. Acreditem: macarronada pura! Vinguei-me com umas mangas espadas, chupando três delas.
Por volta das 17 hortas, após ouvirmos palestra do pessoal do IBAMA, fomos à Ilha Siriba. Aqui, somente, pássaros para se ver; fotografei alguns. O pessoal do IBAMA faz uma verdadeira lavagem cerebral nos visitantes, com relação à preservação ambiental. Entre nós estava uma criança de cerca de cinco anos, que pegou uma pena de um daqueles pássaros, quando alguém perguntou: “será que isto vai desequilibrar o ambiente?”, ao que o guia retrucou:
esta pena, juntamente com outras, servirá para a confecção dos ninhos das aves”. Conto este fato para realçar a preocupação do pessoal do IBAMA com a preservação ambiental.
O arquipélago é um santuário. Elementos da natureza se reproduzem, se alimentam, fazem trânsito (migrantes), se aquecem. As baleias vêm para cá fugindo do inverno antártico. Dizem que elas nem se alimentam aqui, trazem reserva alimentar para toda a temporada.
Retornamos. Tomei um banho “mentiroso” (só água). Fotografei o por-do-sol, que não estava muito legal. Fui descansar um pouco. Às 09h jantamos e logo dirigi-me à cama. Não consegui dormir bem, até pensei que iria dormir tranqüilo, pois estava super relaxado com o passeio submarino, mas o dormitório não é nada estimulante, somente o calor já é desanimador.
Acordei às 5h15. Por volta das 7h30 fui pra água e “passeei” à vontade. Vi cenas fantásticas. A vegetação, o próprio perfil do arquipélago, é decepcionante, inclusive, os pássaros, (jatobás, fragatas, gaivotas, albatrozes...). É fantástico, entretanto, a visão que se tem da fauna, da flora, do relevo submarinos. É como se estivesse sobrevoando montanhas, montes, depressões, vales, profundas e apavorantes cavernas. A profundidade da visão dá uma sensação de infinitude; da pequenez do homem e, sobretudo, da magnitude dos habitantes.
É extasiante a calmaria do ambiente. O silêncio, poucas vezes, é quebrado por um deslocar da massa aquática, devido a algum movimento mais brusco de um dos habitantes. É o ganho de um quase torpor! Um entorpecimento total.
Ah! Sim, em certo instante, deparei-me frente a frente, com um peixe: deveria ter aproximadamente dez quilos e era um badejo – conforme fui informado posteriormente. Por algum momento tive receio de ser atacado, dirigi meu olhar para o instrutor, como a pedir sua proteção e ele fez-me o sinal, na linguagem do mergulhador, de OK. Mesmo assim, movi-me para um lado e me saí, como diz o poeta Francisco Pires, “a galope pelo desfiladeiro”. É uma verdadeira “viagem”.
Bem, a viagem, de Caravelas a Abrolhos, em si, é também deleitante. Instantes constituídos de somente céu e mar (aproximadamente duas horas) o que nos leva a meditar até no sentido estrito da palavra.
Partimos de retorno às 12 horas, às 14h10 o perfil de Abrolhos sumiu do horizonte. Às 14h25, estamos passando por sobre uma formação de corais chamada Parcel das Paredes, que tem profundidade até inferior a dois metros [o profundímetro, (seria este o termo?), acusou isto por diversas vezes]. Esta área é o terror dos navegadores, especialmente os portugueses, que deram origem ao nome Abrolhos, por causa da advertência, do aviso de perigo: Abr’olhos!
Às 14h30, foi servido o almoço. Um peixe (a “sororoca” já citada) ao forno com uma farofa de arroz (?) e salada com maionese. Tudo delicioso, mas foi o mesmo prato do jantar de ontem com a diferença que foi trocado arroz pela farofa de arroz.
Já aparece ao longe o perfil de Caravelas e às 17 horas estamos desembarcando.