terça-feira, 29 de abril de 2014

Melhor, mas pior

Viajando num ônibus em Salvador, passei a escutar uma conversa entre dois homens (pessoas simples; funcionários públicos, parecem, dado o rancor com que se queixavam do não pagamento da URV pelo governo). Acompanhei com interesse o diálogo, quase monólogo, dado a predominância verbal de um sobre o outro e, a certa altura, saíram do plano estadual para o federal. “Como pode dar um reajuste de 5 [virgula alguma coisa]% e aumentar a conta de luz em 15%”, disse o mais falador. E vão por ai, até quando o mesmo mais falante diz: “tá vendo o Lula. O Lula é um ditador!” fez o que quis quando governou e ainda bota quem ele quer para lhe substituir (mais ou menos nestes termos). Mas não é mais ou menos esta mensagem que a grande imprensa, como porta-voz e representante aplicada da oposição passa sistematicamente? Que sua opinião publicada” se torne opinião pública?
Agora conheçamos o que comenta Jânio de Freitas, na Folha de São Paulo, órgão da imprensa insuspeito.

ter, 29/04/2014 - 08:15
Da Folha

Se, apesar da situação econômica melhor, o sentimento é pior, claro que se trata de algo induzido

Janio de Freitas

Com intervalo de quatro dias, dois dos jornalistas que mais respeito pela integridade e aprecio pela qualidade, Vinicius Torres Freire e Ricardo Melo, levam-me a ser mais uma vez desagradável com o meu meio.
Na Folha de ontem, Ricardo Melo relembra a presença de "representantes do mercado'" no Conselho de Administração da Petrobras, quando comprada a refinaria de Pasadena, e pergunta: "Pois bem: onde foram parar nessa história toda Fábio Barbosa, Cláudio Haddad, Jorge Gerdau, expoentes do empresariado' brasileiro que, com Dilma Rousseff e outros, aprovaram o negócio? Serão convocados a depor, ou deixa pra lá?".
 A pergunta não expõe apenas Aécio Neves, Eduardo Campos, Aloysio Nunes Ferreira e seus subsidiários, que se limitam a explorar, na "história toda" de Pasadena, o que lhes pode dar proveito eleitoral. Os empresários citados não serão "deixados pra lá". Já foram deixados. Pela imprensa. Nas práticas simultâneas de repetir, dia a dia, no noticiário e em artigos, a aprovação do negócio pelo "conselho presidido por Dilma Rousseff" e jamais mencionar os outros conselheiros.
Se o negócio foi aprovado pelo conselho, nos termos e condições expostos aos conselheiros, é óbvio que não houve um votante só. Mas os outros não interessam. Nem é apenas por serem empresários que mais conselheiros também estão dispensados de menção na imprensa. É, só pode ser, porque a exclusividade adotada vem do mesmo objetivo de Aécio Neves, Eduardo Campos e outros. Se a imprensa o faz, ou não, para beneficiar esse ou aquele, pouco importa. Mais significativa é a predominância da prática política.
Também na Folha, dia 24 último, Vinicius Torres Freire observa: "O Datafolha registra um nível de insegurança econômica inédito desde os piores dias de FHC, embora a situação econômica e social seja muito melhor agora".
Algo provoca tal contradição. Não pode ser a percepção espontânea e geral, porque a situação "muito melhor" não lhe daria espaço. O que poderia ser, senão os meios de comunicação desejosos de determinado efeito? Se, apesar da situação melhor, o sentimento é pior, claro que se trata de sentimento induzido. Um contrabando ideológico.

Terminaram depressa as rememorações do golpe de 64. O corporativismo apagou a memória da função exercida pela imprensa no preparo do golpe e no apoio à apropriação do poder, de todos os poderes, pelos militares. Não há, nem de longe, semelhança entre aquela imprensa e a atual. Mas o seu estrato mais profundo, econômico, social e político, mudou menos do que a democracia pede. E conduz às recaídas cíclicas dos meios de comunicação em práticas próprias de partidos e movimentos políticos. Estamos entrando em mais uma dessas fases