publicada
domingo, 07/07/2013 às 18:33 e atualizada domingo, 07/07/2013 às 18:58
Conversei com duas fontes
importantes, que trouxeram esclarecimentos sobre o episódio da sonegação de
impostos da Globo, denunciada pelo blog “O Cafezinho”, de Miguel
do Rosário.
Uma das fontes é um
ex-funcionário público (que conhece bem instituições como a Receita Federal e o
Ministério Público no estado do Rio). Esse homem é o mesmo que Miguel do
Rosário tem chamado de “garganta profunda”. Por isso, também o chamaremos assim
nesse texto. A segunda fonte (será chamada aqui de “fonte 2″) é uma pessoa que
esteve no governo federal (funcionário de carreira), nunca exerceu cargos
eletivos, mas sabe muito sobre os bastidores do poder – e suas intercessões com
o mundo das finanças e da mídia. Seguem abaixo as informações que recebi dos
dois. O texto é longo, mas peço atenção porque trata de assunto gravíssimo.
1 - O blog
“O Cafezinho” publicou apenas 12 páginas de uma imensa investigação contra a
Globo. Onde está o processo original? Onde estão as centenas de páginas até
agora não reveladas? Um mistério. O “garganta profunda” garante que
funcionários da Receita Federal no Rio estariam “em pânico” (são palavras dele)
porque o processo contra a Globo simplesmente sumiu! Sim. O processo não foi
digitalizado, só existe em papel. O deputado Protógenes Queiroz (que pretende
abrir uma CPI para investigar a Globo) também considera “estranho” que não haja
“back-up” da investigação.
“Mas como um processo some desse
jeito?” pergunto incrédulo. E o “garganta profunda” responde com um sorriso:
“há advogados especializados nisso, e às vezes o sumiço físico de um processo é
a única forma de evitar danos maiores quando se enfrenta uma investigação como
essa contra a Globo”. Insisto: “mas quem teria pago pro processo desaparecer?”.
E o “garganta profunda” responde com um sorriso apenas.
2 –
Importante compreender que, na verdade, há uma investigação contra a Globo que
se desdobra em dois processos. Tudo começa com o ”Processo Administrativo
Fiscal” de número 18471.000858/2006-97 , conduzido pelo auditor fiscal Alberto
Sodré Zile; era a investigação propriamente tributária, no decorrer da qual
descobriu-se a (suposta) conta da Globo em paraíso fiscal e a sonegação
milionária. Ao terminar a investigação, no segundo semestre de 2006, Zile
constatou “Crime contra a Ordem Tributária” e por isso pediu a abertura de
uma“Representação Fiscal para Fins Penais” (ou seja: investigação criminal
contra os donos da Globo) que recebeu o número 18471.001126/2006-14.
3 - Um
dos indícios de que há algo errado com os dois processos contra a Globo surge
quando realizamos a consulta ao site ”COMPROT” (qualquer cidadão pode entrar no
site“COMPROT” do Ministério da Fazenda e fazer a consulta – digitando os
números que reproduzi no item acima). Ao fazê-lo, aparecem na tela as seguintes
informações:
“MOVIMENTADO
EM: 29/12/2006″
“SITUAÇÃO:
EM TRÂNSITO”.
4 – Um
processo (ou dois!!!) pode ficar ”em trânsito” durante seis anos e meio? Isso
não existe. Onde foi parar o processo? Entrou em licença médica? Repousa em
algum escaninho? Viajou para as Ilhas Virgens Britânicas? Ou desapareceu no
buraco negro que parece unir o Jardim Botânico ao Planalto Central?
A “fonte 2″ esclarece que a
investigação deveria ter seguido dois caminhos:
– a Globo poderia continuar
discutindo o imposto devido nas instâncias administrativas da Receita (para
isso, teria que pagar o valor original e discutir a multa);
– o Ministério Público Federal
no Rio deveria ter iniciado uma investigação dos aspectos criminais (esse era o
caminho depois da “Representação Fiscal para Fins Penais” apresentada pelo
auditor Zile).
5 – Se a
Globo tivesse feito recursos administrativos na Receita, isso deveria constar
no site “COMPROT”. Mas a última movimentação é de 29/12/2006 – como qualquer
cidadão pode confirmar realizando a consulta. O que se passou? Onde está o
processo? O “garganta profunda” garante: “o processo teria sido sido retirado
do escritório da Receita do Rio, desviado de forma subterrânea”. Essa
informação, evidentemente, ainda precisa ser confirmada.
6 – Se o
processo original sumiu, como se explica que Miguel do Rosário tenha obtido as
12 páginas já publicadas em “O Cafezinho”? Aí está outra parte do segredo e que
vamos esclarecer agora: um homem – não identificado - teria conseguido
preservar o processo original (e feito pelo menos mais uma cópia, na íntegra,
para se proteger). As 12 páginas seriam, portanto, “só um aperitivo do que pode
vir por aí”, garante o “garganta profunda”.
7 – O que
mais há no processo? Detalhes sobre contas em paraísos fiscais, e os nomes dos
donos da Globo associados a essas contas, além de muitos outros detalhes – diz
o “garganta profunda”, único a manter contato permanente com o homem que hoje
possuiria o processo na íntegra. Seriam provas avassaladoras, “com nome,
endereço e tudo o mais”. Em suma: umabomba atômica contra a Globo.
8 –
Abrimos aqui um parêntesis. A “fonte 2″ garante-me que em 2003 a família
Marinho procurou o governo Lula para pedir ajuda. A Globo estava a ponto de
quebrar (graças às barbeiragens com a GloboCabo, que contraiu dívidas em dólar
e viu essa dívida se multiplicar por quatro depois da desvalorização do Real em
98/99, no governo FHC). Algumas pessoas no entorno de Lula chegaram a sugerir
que o governo emitisse “debêntures” para salvar a Globo. Na prática, isso
poderia dar ao governo o controle da Globo. “Seria uma forma suave de, na
prática, estatizar a Globo”, garante-me a “fonte 2″.
Por que não foi feito? “Eram
todos marinheiros de primeira viagem no governo, faltou confiança e convicção
para adotar essa medida, que teria sido a mais adequada para o país“, diz a
“fonte 2″ – que acompanhou toda a negociação de perto. Ele conta que a família
Marinho ficou contrariada com essa idéia, que chegou a ser levada à mesa por
integrantes do governo Lula, mas a Globo estava tão desesperada que cogitou até
aceitar essa saída pra não quebrar. Lula, no entanto, optou pela saída
convencional: a Globo conseguiu empréstimos (inclusive no BNDES), e alongou a
dívida. A família Marinho manteve seu império intacto.
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9 – Ainda
pressionada por essa dívida principal, a família Marinho recebeu notícia da
investigação fiscal, promovida pelo auditor Zile. A Globo pediu socorro ao
governo. Isso deve ter ocorrido entre 2003 e 2004, diz a “fonte 2″. A ordem de
Lula teria sido: “não vamos intervir, os auditores têm autonomia funcional e
devem fazer o trabalho deles”.
10 – A
partir de então (e apesar da “ajuda” do governo para equacionar a dívida
principal originada pelas barbeiragens na Globocabo), a família Marinho teria
declarado guerra. Isso explicaria a cobertura global na CPI do Mensalão, sob a
batuta de Ali Kamel, em 2005. Essa é a tese da “fonte 2″, embasada nesses fatos
só agora revelados.
11 – O
processo por sonegação (conduzido pelo auditor Alberto Sodré Zile) foi
concluído às vésperas da eleição de 2006, quando a Globo de novo apontou as
baterias contra Lula. Acompanhei tudo isso de perto, eu estava na Globo na
época.
Claramente, a temperatura contra
o governo subiu no último mês antes do primeiro turno (ocorrido em outubro de
2006). O auditor Zile concluiu a investigação em setembro de 2006. A família
Marinho queria que a investigação sobre sonegação fosse interrompida de
qualquer forma. Não tanto pelos valores, mas porque a revelação de contas em
paraísos fiscais seria devastadora.
12 – Entre
o primeiro e o segundo turnos da eleição de 2006, houve algum acordo entre a
Globo e o governo Lula? A cobertura global da eleição mudou completamente no
segundo turno, tornando-se mais “suave”. Em novembro de 2006, um colega que
também era repórter da Globo e que mantinha bons contatos com Marcio Thomaz
Bastos (então Ministro da Justiça de Lula) disse-me: “Rodrigo, agora eles
sentaram pra conversar, o governo e os Marinho“. Não se sabe ao certo o que foi
colocado na mesa para a tal conversa. O que se sabe é que, coincidentemente,
desde dezembro de 2006 a investigação por sonegação segue “em trânsito.”
13 – A
divulgação das doze páginas pelo “O Cafezinho” pegou a Globo de surpresa.
Reparem como a nota oficial da emissora é confusa e contraditória. A Globo fala
que não há imposto a pagar, mas reconhece que discute algumas cobranças, sim. E
não faz qualquer menção à conta nas Ilhas Virgens. É um ziguezague.
Procedimento típico de quem não sabe o que o “outro lado” possui de munição. A
Globo torce para que o resto do processo não apareça. Sobram várias perguntas…
14 – O
homem que está com o processo na mão estaria disposto a revelar todo o
conteúdo? Por que não o fez até agora?
15 – O MPF
(Ministério Público Federal) vai esclarecer por que não seguiu a investigar a
Globo, conforme sugeriu o auditor Alberto Sodré Zile em sua “Representação
Fiscal para Fins Penais”? Cabe aos blogueiros e ao Centro Barão de Itararé
fazer essa pergunta diretamente ao MPF. Aliás, nessa quarta-feira, dia 10, às
11h, o Barão e outras entidades irão para a porta do MPF no Rio (rua Nilo
Peçanha, 31 – centro), levando a singela pergunta: “MPF, por que você não
investiga a fraude da Rede Globo?”. Gurgel pode dar a resposta…
16 – A
Receita Federal alega que não pode dar mais detalhes sobre a investigação, já
que esta estaria protegida por sigilo fiscal. Ok. Mas a Receita pode – e deve –
esclarecer o que foi feito dos processos. E por que eles constam como “em trânsito”
na página “COMPROT” do Ministério da Fazenda.
17 – Por
último, seria bom esclarecer se houve, de fato, algum acordo entre Lula e Globo
em 2006. E por que ele teria sido rompido depois – com a evidente tomada de
posição da emissora carioca em favor de Serra na eleição de 2010?