Do
Blog de Luís Nassif, extraio o texto abaixo transcrito, que diz muito bem tudo
aquilo que eu gostaria de expressar sobre este assunto.
Chego
a ficar, de certo modo, constrangido com a maneira como pessoas, aparentemente,
de classe média, com posses, como se dizia antigamente, pessoas do meu
relacionamento, enxovalham a imagem do ex-presidente, (quando de sua luta
contra o câncer, ouvi comentários, que não se fazem com qualquer que seja o ser
humano), e, por tabela, a Presidenta Dilma. Culpado por engarrafamentos, até, é
Lula, que “deu carro a todo mundo”.
Pois
bem, leiamos o texto abaixo, que merece atenção.
Por Adir Tavares
Do Com Texto Livre
Um
dos mais importantes especialistas do País na área trabalhista, o advogado
Valter Uzzo criou um fato político ao enviar para amigos e-mail remetido para
um de seus conterrâneos da cidade de Pompéia, no interior de São Paulo, chamado
apenas por Lara, listando uma série de argumentos contrários à proliferação de
spams jocosos sobre o ex-presidente Lula e a presidente Dilma
Roussseff.Ex-presidente do Sindicato dos Advogados de São Paulo, Uzzo, no
texto, descreve o cenário histórico da presença e influência das forças
conservadoras na política brasileira.
O
e-mail de Uzzo está sendo velozmente disseminado pela internet, ganhando status
de peça política contra a discriminação ideológica às forças de esquerda.
Abaixo,
o conteúdo completo:
Caros
Um
amigo meu de infância passou a me mandar um volume enorme de e-mails com
piadas, comentarios e afirmações sempre depreciativas em relação ao Lula,
Dilma, PT, etc. A situação foi em um crescendo tal, que atingiu as ráias da
provocação e do insulto, até que, outro dia, resolvi responder. E mandei este
pequeno texto, que é, em verdade, o que penso de pessoas como ele que, a
pretexto de criticar, escondem hipocritamente suas idéias e concepções.
Abcs.
Valter Uzzo
Sent: Tuesday, February 05,
2013 3:42 PM
Caro
Lara:
Tenho,
quase que diariamente, recebido os seus e-mails, que trazem piadas, “fotos
interessantes”, e propaganda daquilo que, politicamente, você acredita. Quero
crer que estou me dirigido à pessoa certa, ou seja, ao Lara que conheci em
Pompéia, na infância e adolescência. Se assim é, tenho algumas gratas
recordações, de nossa convivência que, ao tempo, pela idade e sem as agruras
que viríamos a experimentar durante a vida, era muito boa. Recordo-me mesmo que
uma das suas habilidades, invejada por todos nós da mesma classe ginasial, era
a incrível capacidade que tinha de “colar”, já que você se abastecia de um
grande estoque das “sanfoninhas” (era o tipo de “cola” da época), que escondia
perfeitamente em sua mão direita e que lhe permitia -grande perfeição !- colar
sem interromper a escrita e, -perfeição maior !-, até mesmo diante do olhar
atento do professor. Ao que me recordo, nunca, nenhum dos professores, na
fiscalização que faziam, conseguiu algum êxito diante de você. Nesse
partícular, você era imbatível.
Mas,
deixando-se de lado tais reminiscências, eu estou me dirigindo à você para
tratar de assunto que, diante de sua volumosa correspondência eletrônica,
parece lhe interessar: trata-se de questões que envolvem a visão que temos da
forma como vem sendo dirigido este país, melhor dizendo, a questão política.
Para se ter uma conversa franca, devo dizer que temos uma visão de mundo muito
diferente. Acho mesmo, oposta. Em minha profissão (sou advogado) acabei
aprendendo a conviver na divergência, já que, diariamente, senta do lado de lá
da mesa de audiência, ou dos autos do processo, um colega de mesmo grau de
escolaridade que defende justamente o contrário. Adversário. Mas, terminada a
audiência, retomamos o relacionamento, ou seja, é um aprendizado constante e
permanente, a nos ensinar que devemos respeitar os que pensam de forma diversa.
Transposta tal relação para a política, também aprendi a respeitar aqueles que
tem uma visão de mundo diferente da minha, embora com eles não concorde. Entre
tais “adversários” de pensamento existem dois tipos: os que assim agem por
convicção, e os que agem por interesse. Creio que você se enquadra entre os
primeiros, ou seja, você tem ideias, a meu ver, que eu classifico como
“conservadoras”, mas que são catalogadas no jargão político comum como
“reacionárias”, ou por alguns “direitistas”, ou, se formos levar ao extremo a
sociologia política, “fascistas”. Para mim, no entanto, você é um
“conservador”, por convicção. E é aí que eu quero conversar com você.
Existe
no Brasil uma forte corrente de pensamento conservador. Sempre existiu, aliás,
durante o império e durante a república, todos os presidentes e Governos , até
2003, sempre tiveram um perfil conservador, uns mais outros menos. Todos.
Getúlio Vargas (1º Governo, ditadura) liderou uma “revolução” -que não era
revolução no sentido sociológico do termo- contra práticas condenáveis da
República Velha, só isso. Pertencia a elite agrária, era fazendeiro e fez um
Governo ambíguo, criando uma legislação trabalhista (que estava sendo criada,
ao tempo, por quase todos os países de mesmo grau de desenvolvimento que o
Brasil), e criou dois partidos políticos – o PTB, para lhe servir – e o PSD,
conservadoríssimo, para ajudá-lo a governar. No mais, encarcerou a oposição e
restringiu as liberdades públicas.. Em 45 foi substituído pelo Dutra (outro
conservador), que dissipou todas as reservas cambiais que havíamos acumulado
com a substituição das importações, durante a guerra. Getúlio volta em 1950 e
aí, após um início de governo meio indefinido, começa a aproximar-se de ideias
progressistas, mas não conseguiu implementá-las, já que, ameaçado de deposição,
suicidou-se. Juscelino foi um inovador em realizações, mas seu governo, embora
aparentemente liberal nos costumes, sempre foi um produto das classes
dominantes e um fiel seguidor da política americana. Jânio se foi muito rápido
, e Jango também nada tinha de progressista: era filho de uma família de
riquíssimos fazendeiros, era despreparado para a função e sua queda dá bem a
medida de seus compromissos de classe: preferiu viver rico no exílio, do que
participar ou liderar uma revolução popular com a qual não se identificava.
Seguiram-se os governos militares, Sarney, Collor, Itamar e Fernando Henrique.
Se examinarmos todas as medidas tomadas por tais governos (algumas muito boas,
até) veremos que nenhuma delas teve a preocupação ou conseguiu alterar o
sistema de distribuição de renda no país, -um dos mais injustos do mundo. A
dívida externa sempre em patamares impagáveis, o salário mínimo medeando entre
U$ 80 a U$ 120 dólares, lenta queda da mortalidade infantil, poucos avanços na
afalbetização, grande transferência de rendas para o exterior, sistema de saúde
pública catastrófico, destruição da escola pública, gigantesca falta de
moradias e favelização, polícia corrupta, Justiça que não funciona, previdência
privada mais cara do mundo, seguros mais caros do mundo, alta tributação e
assim foi. Só discursos, só demagogia, e muita roubalheira.
Aí
vieram a eleição em 2003, reeleição do Lula e eleição da Dilma. Muitos erros,
houve e há corrupção, muitas coisas não deram certo, os quadros do PT, em
grande parte, eram despreparados para administração, enfim, as coisas não
saíram como o PT pregava. No entanto, o salário mínimo triplicou (em dólares),
a renda familiar cresceu, a dívida externa foi paga, o consumo aumentou muito,
o emprego cresceu ( e o desemprego despencou) e o Brasil conseguiu crescer, ao
meio de uma grande crise internacional .Caro Lara, esses são fatos . Fato é
fato, não é discurso, nem proselitismo político, nem palavrório. FATOS. O País
está em regime de pleno emprego ( é a 1ª. vez em nossa história que isso
acontece), e no ano de 2011, em um universo de 200 países, fomos o 4º. País do
mundo em receber investimentos externos, só atrás dos Estados Unidos, China e
Hong Kong (notícia do Times, reproduzida no Estadão e Folha na semana passada,
com pouco destaque). A arenga de que o Governo, em 2003, pegou uma condição
internacional favorável é coversa para boi dormir: muitos outros países não
progrediram, muitos entraram em crise, o sistema financeiro internacional em
2008 quase ruiu, enfim, o Brasil navegou muito bem por sua conta e seus
méritos. Pensar de modo diverso é revolver a mentalidade colonialista.
Mas,
estou eu a pretender que você se torne um apoiador do Lula e da Dilma ? É claro
que não, até porque na nossa idade ninguém muda mais. É que eu acho que essa
sua “cruzada” contra, poderia ser muito mais consequente e séria. Já que na
clássica definição “partido político é a opinião pública organizada”, porque
vocês, conservadores, não fundam um partido que expresse tal ideologia ? A
grande farsa que existe é que os conservadores, ou os direitistas, ou os
neoliberais, não assumem o próprio rosto. O PSDB (neoliberal) não se diz
neoliberal, diz que vai mudar, que é de centro esquerda, que é progressista, e
outras baboseiras mais. Porque não se diz neoliberal, e faz um programa
neoliberal ?. E vocês, conservadores, porque não se assumem, e fazem um
programa com o conteúdo daquiIo que vocês acreditam; contra as cotas, contra o
aborto, contra o casamento gay, pela redução dos direitos trabalhistas, dos
impostos, por uma política externa mais invasiva, etc, etc, , tal qual o
Partido Republicano (Conservador) dos Estados Unidos ? Se você fizer as contas,
aqui como lá, o eleitorado se divide, o que, aliás, ocorre em todos países
civilizados (França Inglaterra, Austrália, Itália, Espanha, Alemanha, Austria,
etc, etc, etc). Ou seja, no mundo todo, o eleitorado se divide em conservadores
e progressistas. Mas, aqui não, em razão da hipocrisia política da direita, a
luta não é limpa. Estimule a criação de um verdadeiro partido conservador, que
defenda as teses conservadoras e o modo de governar conservador e aí, sim,
teríamos um debate limpo, direto, sem enganações, sem subterfúgios. A meu ver,
essa situação da direita esconder suas verdadeiras propostas, de vestir um
manto progressista quando não o é, é a pior forma de trapacear uma nação, posto
que esconde seus verdadeiros desígnios. Em suma,já é tempo de sair do armário e
vir corajosamente para o debate de ideias.
O
outro ponto que gostaria de conversar com você é sobre a forma negativa e
pejorativa de sua “crítica” política. As piadas, imagens, dizeres, etc, que se
referem aos que não pensam como você, revelam um rancor que tem de tudo:
preconceito, desinformação, insultos, etc. Se você acha que este tipo de
crítica desperta alguma simpatia para as suas ideias, ou fazem mal a figura dos
criticados, então está na hora de você fazer algumas reflexões sobre o que muda
as pessoas. Uma pessoa decente muda de opinião quando você demonstra que ela
está errada. Só não mudará se tiver “interesses” em se manter no erro, ou,
então, se por alguma razão (preconceito, ignorância, intolerância,
irracionalidade, etc) não entender o seu erro e o significado da mudança. Fora
disso, a “propaganda” pejorativa contrária é um tiro na culatra. E isso é tanto
no aspecto individual como coletivo. O Lula cresceu eleitoramente depois que
mudou sua imagem para o “Lula, paz e amor”. Antes, o eleitorado preferia o FHC,
com sua voz e modos blandiciosos. Serra com sua linguagem belicosa só perdeu
votos. Obama derrotou duas vezes os seus adversários com um discurso suave,
sofrendo agressões de todo os lados. O Berluscomi e Sarkosi, na Itália e França,
perderam as eleições, em razão de suas práticas autoritárias e arrogantes.
Enfim, na medida que a sociedade evolui, essa linguagem truculenta, ofensiva,
enganosa, que intui uma falsa moralidade e prega medidas radicais extremadas
(para os outros, nunca para si) vai caindo em desuso, não engana mais ninguém.
Pode ter servido em outra época, chegou a levar os hitlers e mussolinis ao
poder, mas, hoje em dia, ninguém mais cai neste canto de sereia. As pessoas
querem é ser convencidas, sem imposições.
Bem,
fico por aqui. Se você quiser prosseguir mandando-me os e-mails, gostaria que
não mais me enviasse os relativos à política, a não ser quando nesta terra
tiver um partido conservador, ou direitista, ou de natureza fascista ( o Plínio
Salgado pelo menos teve coragem e honestidade criando os “camisas verdes”),
para que se possa ter um debate decente e honesto. Daí sim, quem sabe, talvez
até eu me convença de que existe alguma verdade nessas ideias trapaceadas e
escondidas sob o manto de uma falsa moralidade. Ideias tão escondidas, tal como
você fazia com as colas e era invejado por toda classe.
Abraços
e saudades.
Valter Uzzo