O
JULGAMENTO DO MENSALÃO NO STF, (de novo)
Da insuspeitíssima revista ÉPOCA
e da lavra de Paulo Leite Leite, transcrevo o artigo abaixo que bem diz tudo
aquilo que eu penso sobre este julgamento no STF do chamado “mensalão”.
Paulo Moreira Leite
Joaquim Barbosa tinha um
sorriso de ironia nos lábios quando fez um comentário à parte no julgamento do
mensalão, hoje. Referindo-se às alianças do governo Lula para conseguir votos
no Congresso, lembrou a observação de um parlamentar do Partido Popular, o PP,
segundo o qual suas diferenças entre a legenda e o PT eram grande demais para
haver uma aproximação. A ideia é que não poderia haver um acordo com bases
políticas – o que parecia sob encomenda para explicar o suposto esquema de
compra de votos.
Joaquim não resistiu ao
argumento do deputado e sacou a conhecida tese de que os partidos políticos “no
Brasil” são iguais, não se registrando diferenças ideológicas relevantes eles.
Outro ministro, Marco Aurélio Melo fez uma observação semelhante.
Lembrou, também numa
referência ao PT, que no passado muitos brasileiros chegaram a acreditar que
havia um partido com diferenças ideológicas. Já que nunca fizeram observações
semelhantes em julgamentos que envolviam tucanos, pefelistas e outros, restou a
conclusão de que, ao menos para estes dois ministros, o PT pode ser considerado
um partido até pior do que os outros. Pelo menos, decepcionou quem imaginava
que era um partido diferente e depois do mensalão convenceu-se de que havia se
enganado.
A doutrina de que os
políticos “só pensam em roubar” é antiga e já alimentou diversas experiências
contra a democracia mas as pesquisas indicam que não é assim que pensa a
maioria dos brasileiros. Mesmo no auge das denuncias do mensalão, no segundo
semestre de 2005, o PT seguia segundo o partido mais popular entre os
eleitores. E não era popular como um ídolo de programa de auditório.
Era aquele que mais se
preocupava com os mais pobres e injustiçados. De lá para cá, quando você
pergunta ao eleitor, desde então, qual seu partido predileto, 25% dizem que é o
PT. O segundo colocado fica em 5%. Isso não quer dizer que o PT é um partido
melhor ou pior. Mas demonstra que tem uma identidade política própria e, pelos
números, única.
Muitos brasileiros não
concordam com isso. Outros estão de pleno acordo. Outro tanto fica no meio.
Democracia é assim. Garante a todo mundo e a cada um o direito de pensar
diferente.
Não é isso o que importa,
agora. Eu acho sintomático que o relator do mensalão tenha aproveitado uma
conversa paralela para deixar escapar, em tom irônico, uma observação tão
negativa sobre o partido que está no centro do julgamento. E acho mais curioso
que outro juiz, imediatamente, tenha se manifestado de acordo. Os dois muito a
vontade, falando de microfones abertos.
Isso diz respeito a isenção
que se espera de um tribunal? Não sei.
Justiça cega? Também não sei.
O antecedente do mensalão do PSDB, com direito a desmembramento e um longo
passeio pelos tribunais inferiores, não é um bom sinal.
Há tantos sábios por aí que garanto
aos mais eruditos o direito de falar primeiro. Mas confesso que nunca tive a
oportunidade de ouvir ministro do STF fazer referências tão explícitas a uma
das partes envolvidas. Muito menos a outros partidos.
Discordo de visões
conspiratórias sobre o julgamento. Os juízes estão lá, no exercício de sua
soberania.
Mas eu acho que essa
manifestação do relator e de Marco Aurélio expressam um ponto de vista político
sobre o governo Lula.
É a visão do governo como um
universo sem ideologias, sem interesses políticos reais, sem base social a dar
respostas, onde tudo é um grande arranjo, às costas do povo e dos verdadeiros
interesses do país. E eu acho que essa visão ajuda a entender a linha política
que está presidindo o julgamento até aqui.
Essa visão do “eles só querem
roubar” é coerente com um esforço para criminalizar a política de alianças do
governo Lula. Ignora as condições reais em que são feitas as campanhas
eleitorais no país, que misturam dinheiro de caixa 2, dinheiro limpo e também
dinheiro corrupto. Sem mudanças nessas regras, nada vai acontecer. E, sem
querer ser chato, até agora não se demonstrou que o DNA financeiro do PT tenha
uma formação diferente daquele de seus adversários.
Na melhor das hipóteses, a
democracia brasileira será amputada ao sabor das decisões da Justiça, que ora
pode andar de um jeito, ora de outro. O mensalão tucano sequer chegou aos
tribunais e, além do mestre Jânio de Freitas e deste modesto aprendiz de
jornalismo, ninguém mais diz que isso é um disparate. Sem falar, claro, de
Wanderley Guilherme dos Santos, que publicou uma aula sobre o tema no site O
Cafezinho.
A linguagem da acusação
tem-se mostrado preocupante. Seria irônico se não tivesse um aspecto trágico.
No esforço para provar compra de votos, a acusação selecionou alguns projetos
do início do governo Lula, como a reforma da Previdência, a reforma tributária.
Em seu tempo, estes projetos chegaram a ser elogiadas, como demonstração de que
o PT rompera com dogmas considerados pré-históricos. Custaram uma divisão e até
mesmo um racha na bancada do PT. Mas receberam elogios gerais.
O próprio Fernando Henrique
Cardoso, em artigo recente onde alinhou um pacote de críticas ao governo Lula,
lembrou essas duas reformas como aspectos positivos, lamentando apenas que não
tivessem ido adiante.
Na visão da acusação,
contudo, essas reformas foram o símbolo da compra de votos. São descritas como
de interesse “dos corruptores.” Quer dizer: não havia interesse nacional,
sequer um esforço de aproximação com a oposição. Não era política, essa
atividade que pressupõe acordos, aproximações, afastamentos e ruptura. Era o
“esquema.”
Na mesma linha, quando o
governo consegue o voto de um partido que fora adversário para votar numa
proposta que é mais oposicionista do que petista, a acusação define isso como
“ato de ofício,” expressão equivalente a “recibo”de corrupção. Quando Delúbio
Soares dá um depoimento, ele “confessa.” Nessa lógica, não são petistas que são
acusados de votar em seu partido, o que não faz sentido. É o PP que cobra para
votar no que defendeu.
Ao explicar por que votara na
reforma da Previdência, Roberto Jefferson lembrou, na Polícia Federal, que o
caráter trabalhista de seu partido não impedia que fosse favorável a medidas
como a reforma da previdência, que já apoiava quando estava na base do govedrno
FHC.
Por trás de todos esses atos
“criminosos” abriga-se aquilo que é visto como um plano maquiavélico,
“perpetuar-se no poder”, que faz parte da cartilha de qualquer partido político
que, por mais democrático que seja, nunca imagina que a oposição fará um
governo melhor do que seu. (Salvo casos patológicos, de psicanalistas e crises
existenciais, mas não vou falar disso agora).
Instrumento de determinada
visão política, essa linguagem ajuda a montar um quadro sob medida para se chegar
ao resultado que parece cada vez mais provável: a condenação, a penas pesadas,
da maioria dos acusados, salvo alguns mequetrefes.
E aí vamos combinar: tudo vai
estar perfeito se os condenados forem apanhados com provas verdadeiras e
consistentes. Neste caso, as condenações serão justíssimas. Mas será diferente,
no entanto, se uma visão política, que pressupõe a culpa, acabar prevalecendo.
Não é isso o que está por trás da noção de “eles só querem roubar”? Do partido
“sem ideologias?”