terça-feira, 30 de novembro de 2010

A "GUERRA AO TRÁFICO" NO RIO DE JANEIRO

Venho acompanhando as notícias sobre as operações de retomada de territórios pelo Estado na Cidade Maravilhosa. Tenho lido muitas dissertações teóricas das diversas vertentes ideológicas. As críticas   à espetacularização das ações são muitos e concordo (especialmente aquelas oriundas da grande imprensa.
E nesse oceano de informações sinto-me tal qual um cego num tiroteio.
De qualquer modo, fico com quem acredita ser fundamental a RETOMADA de territórios que, até então, constituíam-se em estados paralelos, independentes com vida e leis próprias. E que é preciso que o Estado, com a retomada, faça-se presente em todos os seus aspectos, devolvendo a dignidade e a cidadania aos moradores. Torço, portanto, pela retomada geográfica e, acima de tudo, pela retomada dos direitos universais aos habitantes.   
Achei interessante o que segue, obtido junto ao blog de Luis Nassif (Conversa Afiada), nesta terça-feira. Deveria fazer alguns comentários, mas como a postagem abaixo já está muito extensa, limito-me a expressar minha indignação com o trecho de uma crônica de Olavo Bilac, aqui transcrita, que reflete muito bem o pensamento ainda reinante na elite brasileira.


Enviado por luisnassif, seg, 29/11/2010 - 17:54
Por Antonio Orlando 
Nassif
Um pouco de história. Isso vai ajudá-lo a conhecer a história do negro no Brasil.
A comunidade da Vila Cruzeiro é reduto de ex escravos do Rio. Alijados da vida econômoca e social do país, os negros cariocas se refugiaram  e formaram um quilombo.
Quilombo
Antes de se tornar favela, a Vila Cruzeiro era reconhecida como Quilombo da Penha, formado no final do século XIX - logo após a Abolição – nas vizinhanças da Igreja de Nossa Senhora da Penha, a quem pertencia as terras de uma fazenda doadas por seu proprietário à Irmandade católica. A formação do Quilombo deveu-se a atuação de um padre abolicionista e republicano. O Santuário foi visitado pela Princesa Isabel, 18 dias antes de proclamada a Lei Áurea.
Ffonte Afropress
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9 comentários
seg, 29/11/2010 - 18:54
Reinaldo Melo
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seg, 29/11/2010 - 19:39
ricardo dias
Publicado originalmente em 19/05/2007
A ação policial que é realizada há mais de trinta dias na comunidade da Vila Cruzeiro localizada no bairro da Penha no Rio de Janeiro é emblemática das relações históricas mantidas entre o Estado e as comunidades pobres onde a presença negra é marcante.
Antes de ser reconhecida como uma favela a Vila Cruzeiro foi conhecida como o Quilombo da Penha. Formado no final século XIX no entorno da Igreja de N. S. da Penha proprietária das terras de uma antiga fazenda doadas por seu proprietário à Irmandade. A formação do Quilombo se deveu a atuação de um padre abolicionista e republicano no abrigo a escravos fugidos. Um fato curioso ocorrido e também emblemático foi a visita da Princesa Isabel ao Santuário 18 dias antes de proclamada a Lei Áurea.
O santuário tornou-se um importante centro de peregrinação da colônia portuguesa gerando uma das mais importante e tradicional festa popular das primeiras décadas do século XX. A própria história do samba passa pela Festa da Penha onde no mês de outubro são dedicadas homenagens à santa e se misturavam portugueses com suas tradições católicas aos negros com o candomblé, a capoeira e o emergente samba.
Já como uma referência popular por sua autoridade religiosa no candomblé Tia Ciata era uma das barraqueiras que compunham a festa atraindo ‘sambistas’ de toda a cidade.
A festa da Penha também foi durante mais de meio século o início do carnaval na cidade do Rio de Janeiro quando eram lançados os sambas e marchinhas em teste junto ao gosto popular para os bailes carnavalescos. A primeira rádio só veio a ser criada em 1923, até então era a festa da Penha o grande difusor do samba e Tia Ciata a freqüentou com sua barraca até sua morte em 1924. A capoeira também teve na Penha um dos grandes redutos de bambas e junto ao samba e ao Candomblé geravam por parte da polícia forte repressão que era aclamada e incentivada pela imprensa contra aquele “pessoal duvidoso”, os conflitos também ocorriam entre negros e portugueses.
A história local é bem registrada dada a sua importância na vida cultural da cidade e sucintamente apontada aqui em seus primórdios por alguns fatos mas suficientes como prelúdio para a situação dramática em que vive hoje a comunidade da Vila Cruzeiro.
A presença mais notória e recente sobre a Vila Cruzeiro no noticiário se deveu ao assassinato do jornalista Tim Lopes há um ano. E agora, desde há pouco mais de trinta dias quando foi iniciada uma operação policial pela morte de dois policiais militares executados por criminosos da região num local de grande comoção pela morte cruel do menino João Hélio, fato amplamente noticiado e que gerou a atual onda de ações policiais.
Começa aí o último equívoco – se é que se pode usar apropriadamente este termo para expressar a perpetuação da violência do Estado contra populações pobres, indefesas e de maioria negra. O viés racial não é uma vaga conclusão dada à origem da comunidade e ainda hoje majoritariamente negra. Por outro lado, comprovado em inúmeros estudos a racialização da pobreza e a violência do Estado sobre estas populações é mesmo um componente perverso da política “não-oficial” que submete na pele e na alma por meio de agressões e humilhações policiais, omissões dos serviços públicos e a manutenção no imaginário social pela mídia com a mesma imagem do passado sobre esta “gente duvidosa”.
Se por lado as aglomerações favelas surgiram ao acaso como meio de abrigo e moradia para os muito pobres por outro adquiriu uma função social de prover para a cidade mão de obra fácil e barata para os trabalhos mais simples ou sem qualificação. Nesta função os ‘quilombos urbanos’ em que se transformaram as favelas passaram também a representar uma ‘ameaça’, sem precisarem de um estatuto formal de “vida separada” (apartheid) como representaram os bantustões na África do Sul. Mas cumprindo um papel semelhante até certo ponto, enquanto conviesse ter uma favela por perto ou então expulsá-la de terras valorizadas. Qualquer semelhança com situações atuais sobre terras remanescentes de quilombos não é mera coincidência.
Durante a última campanha eleitoral para o governo do estado o atual governador Sérgio Cabral chegou a declarar que sobre um dos maiores focos de terrorismo sobre estas populações o temível Caveirão não seria mais utilizado para promover a in-segurança pública local. Mas ao contrário, agindo como qualquer político da época da enganação da ‘bica d’água’ tem levado às ultimas conseqüências uma política que só tem similar no regime nazista do apartheid. Eleito com expressiva votação e sob uma aliança de forças políticas progressistas o atual governador que chegou a ser apontado como eventual candidato a próxima eleição à Presidência da República tem agora inelutavelmente manchada sua anterior reputação de protetor da terceira idade e dos jovens, imagem sob a qual chegou até ao senado federal.
Não há que se confundir como uma transigência com o crime nem quando afirmamos o que se disse antes nem quando o próprio governador se manifestou favorável ao debate para a liberação do uso da maconha. O que se requer e isso o governador não promove ou realiza é uma política de segurança pública efetiva e democrática e que lhe cabe mais do que tentar legislar sobre o uso da maconha. Mas insinuo que talvez para se penitenciar junto aos setores mais escabrosos da sociedade venha agora revelar como falácias suas afirmações e declarações quanto ao uso da brutal repressão que vitima muito mais a população da Vila Cruzeiro do que o crime que pretende combater. O noticiário reitera diariamente que nestes trinta e poucos dias nenhum dos criminosos foi preso, mas “alguns foram mortos” e dezenas de moradores foram feridos, milhares estão prejudicados em suas vidas sem acesso tranqüilo ao trabalho ou a suas residências, crianças e jovens sem creches e escolas, o pequeno comércio está prejudicado entre outros transtornos que certamente hão de gerar traumas psicológicos, ressentimentos e redundar mais ainda direta ou indiretamente em violência.
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seg, 29/11/2010 - 21:06
pbiondo
Fotos da guerra do Rio publicadas pelo Boston Globe, simplesmente chocantes...
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seg, 29/11/2010 - 21:44
Zilda Santiago Maciel
Excelente a informação.Fica mais fácil entender o abandono imposto por tanto tempo.Tempos melhores para todos é o que desejo e eles merecem.
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seg, 29/11/2010 - 21:55
marco aurélio barroso
Coincidência muito interessante. Exatamente hoje, em minhas pesquisas diárias, li o seguinte:
 Coluna Brasilianas
Com os moradores da Vila Cruzeiro, Penha, realizamos debate em torno dos problemas nacionais e do nacionalismo. Convidado, estivemos com os trabalhadores em construção civil, que se preparavam para a luta eleitoral de seu sindicato. O povo brasileiro é a nossa maior riqueza. Para ele, devemos nos dirigir mais amiúde, pois só o povo poderá levar o país a bom porto, libertando-o dos grilhões do imperialismo. 
Escreveu o texto acima, exatamente há 50 anos, José Frejat - ainda vivíssimo e morando no Rio.
O jornal era O Semanário -  o jornal que valia por um bom livro. Diretor Oswaldo Costa.    
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seg, 29/11/2010 - 23:04
Alceste Pinheiro
Muito boa lembrança, Nassif.
História semelhante é a do bairro Jabaquara, em Santos.
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ter, 30/11/2010 - 08:22
Jose de Almeida Bispo
Jabaquara representa  a agonia de um modelo cujo maior representante é seu mesmo líder, o escravo Quintino, meu conterrâneo, depois major Quintino de Lacerda em Santos. Quintino foi vendido quando os senhores de engenho sergipanos - quase todos meros rentistas através do açúcar - resolveram que era melhor vender seus escravos à nascente pujança paulista do que ter trabalho em administrá-los, quando poderiam muito bem viverem "numa boa" apenas com seus empregos estatais de sinecuras muito bem pagos. Entre 1870 e 1878, em que pese a sobretaxa imposta pelo governo do Estado (então Província), quase metade já haviam embarcado pra Santos, para os cada vez mais avançados cafezais e outras atividades, mesmo sob o perigo de abordagem da marinha inglesa no mar.
Abandono. Muito bem lembrado. E a cultura da espoliação.
"se cada um alcançar dois pares ou meia dúzia de escravos (que podem um por outro custar pouco mais ou menos até dez cruzados) logo têm remédio para sua sustentação; porque uns lhe pescam e caçam, outros lhe fazem mantimentos e fazenda e assim pouco a pouco enriquecem os homens e vivem honradamente na terra com mais descanso que neste Reino,(...)" 
TRATADO DE TERRA DO BRASIL, por Pero de Magalhães Gândavo. Tratado Segundo - Das coisas que são gerais por toda Costa do Brasil, Capítulo Segundo - Dos costumes da terra
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ter, 30/11/2010 - 08:29
Jose de Almeida Bispo
Quilombo ou Mocambo?
Quilombo era local de foragido, em que pese a constante confusão feita, inclusive por historiadores (*); já Mocambo era a favela antes da guerra de Canudos que legou o nome Favela à cultura nacional. Mocambo era lugar de gente pobre, mas de bem, em que pese, como nas favelas atuais, ali também esconder-se criminosos, inclusive foragidos.

(*) Há uma confusão dos diabos por parte de muita gente, professores, principalmente, pela falta de estudo e definição sobre um aspecto da formação do Estado brasileiro, qual seja a de que era a Vila, por excelência a sede municipal; e não, necessariamente a cidade. O resultado disso é que na minha cidade, fundada vila em 30 de outubro de 1675, ainda hoje se comemora a "Emancipação" (tornar-se município, portanto) na data de elevação de status para cidade, mais de duzentos anos depois. E pouco adianta alegar que a Câmara Municipal começou a funcionar em 1698.
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ter, 30/11/2010 - 15:32
oigres
trecho de crônica de Olavo Bilac:
"Num dos últimos domingos vi passar pela Avenida Central um carroção atulhado de romeiros da Penha: e naquele amplo Boulevard esplêndido, sobre os asfalto polido, contra a fachada rica dos prédios altos, contra as carruagens e carros que desfilavam, o encontro do velho veículo, em que os devotos bêbados urravam, me deu a impressão de um monstruoso anacronismo: era a ressureição da barbaria - era uma idade selvagem que voltava, como uma alma de outro mundo, vindo perturbar e envergonhar a vida da idade civilizada... Ainda se a orgia desbragada se confinasse ao arraial da Penha! Mas não! acabada a festa, a multidão transborda como uma enchurrada vitoriosa para o centro da urbs..."
outubro de 1906
citado por Nicolau Sevcenko em "Literatura como Missão"